Siga-me se for capaz
Governo federal provoca a indignação do mercado de capitais ao optar por uma subscrição gigante para transferir à Petrobras o direito de explorar o pré-sal

, Siga-me se for capaz, Capital Aberto“Nunca antes na história deste País…”, a frase mais usada pelo presidente Lula para enfatizar os avanços do Brasil nos últimos anos serviria também para definir o polpudo aumento de capital que a Petrobras pretende fazer para explorar as jazidas de petróleo do pré-sal. A operação, uma oferta privada de ações restrita aos atuais acionistas, promete ser não só a maior do mercado de capitais brasileiro como a mais controversa dos últimos tempos. Evidência disso é que o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), apoiados por outras entidades do mercado, rebelaram-se publicamente contra a operação. No fim de outubro, enviaram sugestões de emendas ao texto do Projeto de Lei 5.941/2009, que trata da cessão do direito de exploração de até 5 bilhões de barris de petróleo extraídos do pré-sal.

Antes de contar por que, na visão das duas instituições, o mega-aumento de capital da Petrobras será o maior golpe no mercado de capitais brasileiro desde a mudança da Lei das S.As. de 1997 — que viabilizou a privatização das telecomunicações à custa da retirada do direito dos minoritários de vender suas ações, o chamado tag along —, vale a pena relembrar os detalhes da operação. Em tramitação na Câmara dos Deputados até o fechamento desta edição, o texto prevê que a União ceda onerosamente à Petrobras o direito de exploração de parte do petróleo da camada pré-sal. A União, dona de 32,1% do capital total, participa de um aumento de capital aportando títulos públicos federais. Mas os recebe de volta, provavelmente no mesmo dia, porque a Petrobras usará esses mesmos títulos para pagá-la pelos direitos de exploração do petróleo. Não seria, então, mais natural que o governo usasse os direitos de exploração, em vez dos títulos, como moeda para subscrever o aumento de capital? É justamente aí que surge a primeira reclamação dos investidores.

Não parecem existir pontos na legislação para amparar a defesa dos acionistas minoritários

Se o aporte fosse feito com os direitos de exploração, a operação estaria sujeita ao artigo oitavo da Lei das S.As., que dispõe sobre a avaliação de bens utilizados para a formação de capital — por analogia, o aumento de capital — de uma companhia. O dispositivo exige que o valor desses ativos seja aprovado em assembleia-geral, sem o voto do cedente do bem. No caso da Petrobras, portanto, apenas os minoritários deliberariam sobre o valor dos direitos detidos pela União, sem que esta pudesse participar. Com o aporte em títulos públicos, cotados a valor de mercado, o mais provável é que a aprovação do laudo em assembleia se torne dispensável. “A subscrição com os títulos é declaradamente um artifício para escapar desse artigo da lei”, diz Mauro Cunha, presidente do IBGC.

Se Cunha tem razão, a subscrição com títulos não seria uma forma de fugir apenas da lei. No seu código de governança e boas práticas, editado em 2002, a administração da Petrobras se compromete a consultar os acionistas minoritários, especialmente os preferencialistas, em matérias como a avaliação de bens destinados à integralização de aumento de capital da companhia. Na proposta de emenda ao projeto de lei, IBGC e Amec sugeriram que o conselho de administração da Petrobras seguisse à risca o espírito da lei e do código da companhia, a despeito de a subscrição ocorrer com títulos públicos. Propõem que os minoritários sejam consultados e que seja feito um laudo de avaliação do valor atribuído aos direitos de concessão, com a respectiva assembleia para sua aprovação e a abstenção de voto do acionista controlador. “A ideia é refletir a política de governança da companhia”, afirma Cunha.

Para IBGC e Amec, a Petrobras poderia pagar a União de outras formas, sem expor os minoritários a tamanha diluição

Consultada pela reportagem, a Petrobras não confirmou se submeterá os laudos de avaliação do petróleo aos acionistas. Mas informou, através de sua assessoria de imprensa, que “procurará, dentro da melhor governança corporativa que tem presidido seus atos, implementar procedimentos que levem transparência e conforto aos acionistas minoritários”. “A reação (do mercado) é prematura”, avalia Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM, que advoga para a Petrobras na operação e é também conselheiro do IBGC. Para ele, a subscrição com os títulos é muito mais adequada do que com os direitos de exploração, uma vez que ainda não há uma definição clara de valor para esses direitos. “O aporte poderia causar a formação incorreta do capital”, argumenta. “Ninguém pretende fazer algo que seja errado ou prejudicial ao mercado. Nem a União, nem o Congresso, nem a Petrobras.”

MEDO DO PRECEDENTE — Independentemente das intenções que estariam por trás da medida, ou do que dizem a lei e o código da Petrobras, a preocupação dos investidores é com o exemplo de má governança corporativa que a operação pode representar. E por duas razões. Trata-se de um contrato gigantesco feito com parte relacionada — entre a companhia e seu controlador, a União —, um tema que costuma deixar os investidores ressabiados. É conhecido que esse tipo de operação abre inúmeras brechas para situações de favorecimento do controlador, em detrimento dos interesses dos minoritários. Além disso, mesmo sem todos os detalhes do negócio, já é possível prever que a capitalização será astronômica, o que significa um alto potencial de diluição para os minoritários.

IOF deixa investidores estrangeiros em desvantagem diante da União no aumento de capital

Na audiência pública do PL 5.941, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, mencionou que os barris de petróleo a serem extraídos de reservas não provadas têm sido avaliados no resto do mundo a uma média de US$ 5. Considerando-se que o aumento de capital serviria para a cessão do direito de exploração de 5 bilhões de barris, chega-se a um valor mínimo de US$ 25 bilhões para a operação, o que significaria um desembolso de mais de US$ 15 bilhões para os minoritários acompanharem a emissão e manterem sua participação. Isso sem contar que o aumento de capital servirá também para captar os recursos necessários aos investimentos na exploração do pré-sal. Poderá, segundo a Petrobras, atingir até três vezes o valor do direito de exploração dos 5 bilhões de barris.

Pela legislação, a diluição não é um problema, desde que conferido o direito de preferência a todos os acionistas. No caso da Petrobras, eles poderão ter suas fatias reduzidas, mas, em troca, serão parte de uma companhia capitalizada com valiosas áreas de exploração do ouro negro. Para o IBGC e a Amec, contudo, a Petrobras poderia pagar o governo pelos direitos de exploração de outras formas, de modo a não expor os minoritários a uma diluição de capital tão agressiva. Um exemplo seria o acerto de contas por meio de royalties ou de um sistema de partilha, em que a Petrobras transferiria à União parte dos lucros que obtivesse com o pré-sal. Este último modelo, inclusive, será utilizado pelas concessionárias privadas que conquistarem o direito às demais áreas do pré-sal. “O aumento de capital é desnecessário”, diz Cunha.

Alternativas chegaram a ser apresentadas por deputados, mas foram rejeitadas pelo relator João Maia (PR-RN). O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) enviou emenda para sugerir a substituição da cessão onerosa por um contrato de partilha. Na avaliação do relator, a mudança do modelo “exigiria mais tempo de extração de petróleo e acrescentaria incerteza e risco ao processo”. Caiado enviou outra sugestão de emenda, dessa vez para vedar a cessão onerosa dos direitos como parte do aumento de capital. A justificativa da rejeição foi breve. “A vedação, na prática, inviabilizaria a capitalização da Petrobras pela União”. Outra sugestão foi formulada pelo deputado Fernando Coruja (PPS-SC), para quem a capitalização pela União deveria ser limitada a R$ 10 bilhões. A sugestão não foi acatada porque, segundo uma das razões apresentadas pelo relator, o aporte está associado ao volume de petróleo passível de ser cedido pela União, “cuja avaliação poderia atingir valores de até US$ 100 bilhões”.
Se alguém concluiu que a opção do governo por fazer um aumento de capital deve-se, principalmente, a um interesse de elevar a participação na promissora Petrobras, o discurso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em uma das audiências públicas na Câmara dos Deputados, serviu de reforço à tese.

O ministro declarou que seria positivo para o governo aumentar sua participação na Petrobras e receber, dessa forma, mais dividendos. E completou dizendo que os minoritários não teriam poder de fogo para acompanhar a União na injeção de capital.

SEM ALICERCES — Ainda que a iniciativa seja questionável do ponto de vista ético, não parecem existir pontos na legislação para amparar a defesa dos minoritários. Na avaliação do advogado José Alexandre Tavares Guerreiro, não existe abuso do poder de controle, uma vez que o governo está pagando por seu aumento de participação. Ele também não concorda que a Petrobras deva fazer uma assembleia para deliberar sobre a avaliação dos direitos de exploração e, muito menos, se abster de votar. “Isso feriria o princípio da maioria, estabelecido no artigo 129 da Lei das S.As.”, afirma.

Cantidiano observa que, incluindo ou não a cessão dos direitos, o aumento de capital é essencial para que a Petrobras faça investimentos nas áreas do pré-sal. “E esse aumento de capital é necessariamente grande, porque o projeto também é”, afirma. Sobre ao argumento dos investidores de que a operação leva a uma diluição injustificada, o advogado José Orlando Lobo, sócio do escritório Lobo & De Rizzo, afirma que a única maneira de comprovar essa tese é com o preço da subscrição, que ainda não está definido. “Apenas esse elemento caracterizaria tal infração”.

Resta aos investidores e a outros agentes do mercado o incômodo evidenciado pela operação: o de que ainda é possível estruturar um negócio — e dos grandes — em que o interesse do controlador prevalece em todas as etapas. “Essa operação vai ao limite da lei”, afirma André Camargo, coordenador do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa (antigo Ibmec São Paulo). “É preciso refletir sobre a mensagem que esse aumento de capital passa ao mercado”, diz Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities.

CONDIÇÕES DESIGUAIS — É bom lembrar que a provável legalidade da operação não elimina as possibilidades de reclamações à CVM. Um dos pontos que prometem ser atacados é o da diferença de tratamento entre os acionistas — enquanto a União integralizará o capital com títulos emitidos pelo Tesouro, os demais sócios desembolsarão recursos próprios. O desequilíbrio é flagrante por estar na gênese do modelo proposto. Ainda que os minoritários pudessem fazer frente ao aumento de capital com a mesma espécie de título federal, o resultado seria inócuo. Eles precisariam desembolsar recursos para adquirir os títulos, o que novamente tornaria as condições desiguais.

As limitações dos minoritários não param por aí. Muitos dos investidores da Petrobras entraram na companhia utilizando recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), conforme programa do governo federal para estímulo a investimentos no mercado de ações. Nesse aumento de capital, porém, não poderão usar recursos do fundo para subscrever, embora vários deputados e a BM&FBovespa tenham encaminhado sugestões ao relator do projeto para inclusão desse aval.

Mas a pressão não foi de todo inútil. Em princípio, os cotistas dos Fundos Mútuos de Privatização (FMP), criados para investir recursos do fundo de garantia em ações de companhias a serem desestatizadas, não poderiam participar da subscrição de nenhuma forma. Isso porque os FMPs estão limitados por regulamento a investir somente em ações de companhias em processo de privatização. No substitutivo do projeto apresentado dia 28 de outubro, os FMPs ganharam permissão para fazer chamadas de capital com seus cotistas com vistas à participação na subscrição da Petrobras. Mas, também neste caso, a integralização só poderá ocorrer mediante o aporte de recursos novos, e não com a utilização do FGTS.

Por fim, os investidores estrangeiros estarão em desvantagem em relação à União para fazer frente ao aumento de capital. Em outubro, o governo implementou a cobrança de um IOF de 2% sobre os investimentos de estrangeiros em renda fixa e variável. “Além de ter dito que os minoritários não têm poder de fogo, o governo encareceu o IOF”, reclama Edison Garcia, superintendente da Amec. “Não bastasse o tombo, ainda teve o coice.”


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