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Insider começa em casa
O mau uso de informação privilegiada é um problema grave, cuja solução vai além de fiscalizar e punir. Cabe aos profissionais envolvidos com fusões e aquisições prevenir o risco de vazamento — e, se ele ocorrer, fazer a coisa certa

insider-comecaDe um lado, o segredo é fundamental para o sucesso de uma fusão ou aquisição (M&A, na sigla em inglês). Com ele é possível negociar os termos de uma transação sem a interferência de um concorrente ou de outras partes impactadas. Do outro, a boa comunicação com o mercado é essencial para a equidade das condições de negociação na bolsa de valores. A arte está em atingir a excelência nas duas pontas, simultaneamente — uma tarefa desafiante. Prova disso é que mercados no Brasil e no mundo estão submersos numa enxurrada de negócios possivelmente realizados com base em informações privilegiadas. Como resolver o problema? Certamente o rigor da fiscalização e das punições podem ajudar, e muito, ao tolher o ímpeto dos fraudadores. Mas há outro aspecto que está na raiz da questão: o procedimento dos executivos e assessores envolvidos com a informação privilegiada. A conduta adequada desses profissionais tende não só a reduzir significativamente as chances de a notícia vazar como a tornar mínimos os estragos caso o acidente aconteça.

Questão endêmica
A incidência do insider trading nas fusões e aquisições vem sendo retratada em diversos estudos e reportagens. Em junho, pesquisadores das Universidades McGill e de Nova York publicaram o estudo Informed options trading prior to M&A announcements: insider trading?. Concluíram que 25% das transações de M&A feitas nos Estados Unidos entre 1996 e 2012 foram precedidas por negociações atípicas das opções de compra de ações.

No Brasil, não há estudo específico sobre vazamento de dados em fusão e aquisição, mas sua ocorrência no mercado de modo geral vem sendo observada. Os professores Orleans Silva Martins e Edilson Paulo, da Universidade da Paraíba, analisaram o comportamento de 229 ações na bolsa de valores, emitidas por 194 companhias em 2010 e 2011, e perceberam que a mesma parcela de 25% das operações no pregão provavelmente se realizou sob a influência de informações seletivas. O estudo não infere que houve insider trading nesses casos, mas indícios dele. “O modelo considera que determinados desequilíbrios na negociação, como oscilações de volume e preço, indicam a probabilidade de assimetria nas informações disponíveis”, explica Orleans Martins.

Quando se trata especificamente de transações de M&A, a conduta dos profissionais que atuam na operação é crucial para prevenir o insider. Por isso, investir em códigos de negociação e de comunicação com o mercado, em treinamento e em fiscalização é uma receita eficaz para reduzir as chances de vazamento. Outra medida aconselhável é envolver a auditoria interna. Conforme um negócio evolui, outras áreas da empresa participam de seus trâmites, o que aumenta a chance de quebra do sigilo. Os pesquisadores Viviane Muller Prado e Renato Vilela, da FGV Direito SP, se debruçaram sobre 34 processos administrativos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) relativos a negociação com informação privilegiada e concluíram que dois terços das 171 pessoas indiciadas eram terceiros e não insiders primários, como administradores e assessores.

Dependendo do agente envolvido, contudo, essa tarefa pode ser mais ou menos complicada. No escritório de advocacia Pinheiro Neto, vigora uma regra rígida: todos são proibidos de negociar ações, exceto por meio de fundos de investimento. Já nos bancos, esse tipo de vedação não é tão simples de ser implementado. Ao mesmo tempo em que uma área está envolvida com um M&A, outros departamentos podem prestar serviços relacionados às ações da mesma companhia. Isso ocorre, por exemplo, nos contratos de formador de mercado e nos negócios que exigem do banco a compra de ativos para fazer hedge. “Se impedirmos essas áreas de negociar porque há uma transação em curso, corremos o risco de dar ao mercado uma informação que ele não tinha”, relata Sérgio Goldstein, gerente jurídico do Itaú BBA. Nesse sentido, ele afirma que o banco teria mais conforto se a regulamentação explicitasse que a instituição pode manter um serviço quando ele não tem a finalidade de afetar o preço das ações — ao fazer hedge, por exemplo.

insider-comeca2Entre a transação e o minoritário
Os estudos mencionados não permitem concluir que o mercado brasileiro sofre mais com insider trading do que o americano. Há, no entanto, a sensação de que por aqui os agentes são apressados. “Nos Estados Unidos e na Europa, o vazamento de informações, inclusive pela imprensa, parece acontecer quando há grande certeza de que o negócio vai se concretizar. No Brasil, ocorre ainda baseado na especulação”, diz Marcelo Martins, diretor de relações com investidores (DRI) e de M&A da Cosan.

Essa particularidade torna a tarefa do DRI mais complexa: ainda que ele não esteja diretamente envolvido na negociação, é sua a incumbência de decidir quando se comunicar com o mercado e o que falar ao investidor. A Instrução 358, arcabouço principal do tema, afirma que, havendo uma transação fechada ou um indício claro de vazamento de informação, os investidores precisam ser avisados. Na prática, porém, a decisão é cheia de nuances. “É difícil se posicionar num momento inicial da transação, com base em especulações e boatos que não são integralmente verídicos. Na dúvida, é melhor comunicar”, aconselha Martins.

Não são poucos os complicadores. A começar pela responsabilidade que a própria regulamentação atribui ao DRI: é dele o dever de garantir informações equânimes e tempestivas ao investidor. “Ele tem sempre dois patrões. Um é o mercado, que quer a divulgação da informação; o outro é a companhia, muitas vezes com um controlador que deseja preservar o segredo da transação o máximo possível”, lembra Henry Sztutman, sócio do escritório Pinheiro Neto. E quando for preciso decidir a qual deles obedecer? O diretor da Cosan não hesita: a obrigação do DRI é servir ao mercado. “Nenhuma transação pode ser mais importante do que a hipótese de permitir um insider trading”, defende Martins. “Para ser um bom DRI, é fundamental entender que trabalhamos para o minoritário”, completa.

Mas o que fazer se, apesar dos cuidados, a informação vazar? A empresa provavelmente será questionada pelos reguladores e terá que se pronunciar. Um expediente ao qual o mercado se acostumou a recorrer nessas situações são os comunicados que despistam os investidores: não confirmam a existência da transação, mas dizem ser parte da rotina da companhia avaliar oportunidades de negócios. Dias depois, não raro, surge um fato relevante anunciando a transação. A tática, embora cômoda para a empresa, põe em xeque a imagem de seus administradores.
“É preciso pensar no dia seguinte ao anúncio. Quando se divulga a transação, fica carimbado que aquela forma de falar não era verdadeira”, avalia Goldstein. Martins, da Cosan, observa que a qualidade da comunicação nessas
ocasiões impacta a reputação do profissional de RI. “É preciso ter autonomia para fazer um comunicado. Se eu acredito que aquela informação é importante, devo bancar, inclusive, um eventual desgaste interno”, afirma.

Despiste é crime
Para quem acredita que o abalo na reputação é pouco, ou que as punições recaem somente sobre os que se beneficiam diretamente da informação privilegiada, um alerta. A Lei 7.492, de 1986, sobre crimes contra o sistema financeiro nacional, prevê pena de reclusão de dois a seis anos a quem “induzir ou mantiver em erro sócio ou investidor […] relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente”.

Segundo Mário Panseri, sócio do Pinheiro Neto e especialista em direito criminal, autoridades já entendem que a não difusão de fato relevante se encaixa no dispositivo. “Da mesma forma, um fato relevante lacônico pode ser equiparado a informação falsa, se a lacuna induziu o investidor ao erro”, comenta o especialista. Ou seja, o executivo que se comunica mal com o investidor pode não só ser punidos administrativamente pela CVM ou civilmente na Justiça; ele também podem ir para a cadeia. O insider, afinal, é um problema de todos.

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com


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