Influência discreta
O ativismo de investidores é um movimento em ascensão nos Estados Unidos e no Brasil. Aqui, sem tantos holofotes, eles mudam o rumo das companhias abertas

influencia-discretaDepois de 14 anos como presidente da casa de leilão Sotheby’s, Willian Ruprecht está prestes a deixar o cargo. Foi Dan Loeb, gestor do fundo Third Point, quem, juntamente com outros investidores, precipitou a queda do executivo. Insatisfeito com os resultados da companhia, Loeb fez uma portentosa batalha corporativa e midiática e se tornou conselheiro da empresa em maio, num dos mais noticiados casos de ativismo de acionistas de 2014. No Brasil, reivindicações de minoritários não ganham tanto destaque em programas de TV ou jornais. Tampouco temos um Dan Loeb ou um Carl Icahn — este último famoso por ter feito o valor de mercado da Apple subir US$ 17 bilhões após uma frase no Twitter segundo a qual a gigante da informática valia mais do que sua cotação na bolsa. Mas o ativismo por aqui também cresce. E, ainda que discretamente, vem mudando o rumo das companhias abertas.

O ativismo no Brasil é menos personalista. Os nomes das gestoras que o praticam, como Rio Bravo, Fator, Fama, Mauá Sekular, Polo Capital, entre outras, costumam ser mais conhecidos no mercado que seus gestores. Mesmo investidores famosos, como Guilherme Affonso Ferreira, presidente da Bahema Participações, e o bilionário Lírio Parisotto são pouco expressivos nas redes sociais ou no trato com a imprensa. O ativismo realizado por eles ocorre nos bastidores, angariando apoio de outras gestoras e negociando com a administração das investidas. “Brigas fortes, em público, são menos comuns na cultura do mercado de capitais local”, diz Thomas Kamm, sócio da consultoria Brunswick.

Entretanto, esses investidores estão cada vez mais dispostos a conquistar postos nas empresas. A maioria se organiza para eleger representantes de minoritários para o conselho de administração. Um exemplo é a eleição — e reeleição — de Marcelo Gasparino para o board da siderúrgica Usiminas. Patrocinado pela Geração Futuro, ele conseguiu apoio de acionistas que somavam mais de 10% do capital social para alçá-lo à posição. Sentado no conselho, Gasparino segue uma postura propositiva. E busca promover mudanças, o que não é simples.

Sua ação é dificultada pelo regimento interno do board. O estatuto determina que uma proposta só pode entrar nas pautas de reunião do órgão colegiado se for apoiada por três membros. Como a empresa tem dois representantes de minoritários (o outro é Aloísio Macário), é difícil emplacar um tema. Gasparino vem reivindicando a alteração ou mesmo eliminação dessa regra. O conselheiro também trabalha pela migração da empresa do Nível 1 para o Nível 2 de governança corporativa da BM&FBovespa, bem como pela instalação de conselhos com representantes dos minoritários nas principais subsidiárias.​ “Não é fácil. É preciso ser perseverante para fazer ativismo no Brasil”, desabafa.

A articulação dos investidores também vem influenciando as estatais. Na Petrobras, em 2013, acionistas representantes de mais de 0,5% do capital social elegeram Mauro Cunha para o conselho de administração. Desde que assumiu, ele acumula batalhas na companhia. Votou contra a demonstração de resultados em 2013 e impôs o registro de seu posicionamento em ata, além de torná-lo público — não era hábito da petroleira fazê-lo. Noutra estatal, a Eletrobras, o trabalho de acionistas vem empurrando o controlador para fora da zona de conforto. Um grupo liderado pelo fundo norueguês Skagen entrou com processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra a União, acusando-a de abuso do poder de voto na assembleia extraordinária de 3 de dezembro de 2013. O encontro deliberou a adesão da empresa à Medida Provisória 579, que previu a renovação de outorgas públicas de distribuição de energia mediante queda das tarifas cobradas dos consumidores. Na leitura dos acionistas, houve claro conflito de interesses em a União ter votado uma matéria que beneficiaria o governo federal.

Na saúde e na doença
Não seria adequado, no entanto, dizer que o ativismo só aparece em momentos de crise. É comum o envolvimento de acionistas em organizações saudáveis, cujos resultados e valor consideram estar abaixo do adequado. Foi o caso da BRF, em que investidores conduziram Abilio Diniz, ex-controlador do Grupo Pão de Açúcar, à presidência do conselho da fabricante de alimentos em abril de 2013. A empresa de participações Tarpon e o fundo de pensão Previ — juntos, donos de 22,22% do capital — se uniram para derrubar o então chairman, Nildemar Secches, e emplacaram Diniz. Os investidores acreditavam que a empresa precisava de um choque de gestão, diminuindo os cargos executivos e vendendo unidades operacionais que não tinham a ver com o negócio principal. Agora, isso está sendo feito. Um exemplo é o repasse, em novembro do ano passado, de unidades abatedoras de bovinos à empresa de frigoríficos Minerva, em troca de ações. O papel reflete uma visão positiva dos investidores sobre as mudanças: estava em torno de R$ 45 quando Diniz assumiu; hoje, circula na faixa de R$ 65. “Ativistas veem oportunidades de agir em empresas cuja percepção de valor esteja distante dos fundamentos”, comenta Fábio Moser, CEO da Fator Administração de Recursos.

A intervenção do fundo de ativismo da Rio Bravo na Eternit foi bem mais suave. Companhia de capital disperso, a fabricante de utensílios de cerâmica para construção foi uma das primeiras apostas do fundo, lançado em 2004. A gestora conseguiu um assento no conselho e trabalhou para melhorar a governança. Em 2006, a Eternit migrou para o Novo Mercado; desde então, sua ação se valorizou. Cotada a cerca de R$ 1 após a conversão das preferenciais, hoje ela vale R$ 3,40 (em 2012, chegou a atingir R$ 4,60). “Existem bons casos como esse, mas infelizmente eles são exceção”, lamenta Fernando Fanchin, gestor do fundo de ativismo da Rio Bravo. Durante os seis anos em que a asset permaneceu na empresa, a Eternit reconsiderou sua estrutura de capital, reviu as políticas de remuneração de executivos e de distribuição de dividendos e criou comitês do conselho.

influencia-discreta2Publicidade negativa
No âmbito internacional, os efeitos do ativismo sobre as companhias vêm sendo observados. Uma pesquisa divulgada no fim de outubro pela consultoria CoreBrand e pela revista Corporate Secretary analisou 66 companhias integrantes do S&P 500 que foram alvo de campanhas de investidores. A conclusão: o impacto de muitas delas foi negativo. Houve mudança significativa no valor da marca de 36 empresas (62%). Destas, 19 tiveram queda na percepção de sua qualidade no longo prazo, 7 passaram a ser percebidas modestamente melhor, 2 se mantiveram como estavam e 8 conseguiram resultados mistos, com ganhos no curto prazo seguidos de declínio. O estudo deixa claro que a culpa não necessariamente é do ativista; em alguns casos, a campanha coincide com um momento ruim da empresa. No entanto, a publicidade que esse tipo de investidor dá a aspectos já negativos pode precipitar a perda de prestígio da marca de modo difícil de reverter, causando, consequentemente, desvalorização das ações.

Além de potencializar prejuízos de imagem, o ativismo tem ônus. A batalha com Dan Loeb custou US$ 24 milhões à Sotheby’s, entre gastos com consultoria, advogados e o reembolso dos gastos do Third Point. Por isso, a empresa de leilões vem ajudando a expor a faceta complicada do engajamento de acionistas: a briga entre diretores e sócios pode custar caro e não necessariamente servir ao interesse de longo prazo da instituição.

No Brasil, embora a face nefasta do ativismo seja menos aparente, os administradores estão atentos a essa possibilidade. “Na troca de informações com o investidor, você percebe se o acionista está interessado no longo prazo ou se quer fazer um ataque especulativo que tem mais a ver com interesses próprios”, afirma Marcello De Simone, diretor de relações com investidores (RI) do Grupo Ultra. Uma das discussões comumente propostas pelos ativistas diz respeito ao que fazer com o caixa excedente da companhia. Foi assim no incidente entre Carl Icahn e Apple, por exemplo: em dezembro do ano passado, ele começou uma campanha para que a empresa realizasse uma recompra de US$ 150 bilhões em ações, de modo a aumentar o valor dos dividendos e dos papéis em circulação. A Apple tinha, na época, US$ 147 bilhões. O escarcéu de Icahn serviu para chamar atenção ao fato de que a empresa tinha uma quantidade imensa de recursos parados. A companhia até fez uma recompra, só que bem mais modesta, no valor de US$ 17 bilhões.

Carlos Lazar, diretor de RI da empresa de educação Kroton, conta que é comum receber propostas de acionistas sobre o destino do caixa da companhia (de R$ 397 milhões, de acordo com as informações trimestrais divulgadas em 14 de novembro). Enquanto uns sugerem recompra, outros querem distribuição de dividendos extraordinários. Há ainda quem ache que a empresa deve guardar o montante para ir às compras. “Nesse caso, o ideal é ter uma boa comunicação e testar a sugestão de um acionista com outros”, sugere Lazar. Ele ressalta que é preciso ter muito cuidado nessas conversas. Toda a atenção é necessária para não deixar escapar informação privilegiada sobre eventual aquisição.
O crescimento reservado, porém constante, do ativismo no Brasil tende a receber um impulso importante em breve.
A CVM colocou em audiência pública uma norma que alterará as Instruções 480 e 481, regulamentando o voto à distância.

A novidade permitirá que acionistas votem sem comparecer à assembleia ou mandar um procurador à sede da empresa. “É muito trabalhoso atrair investidores para esses encontros. A norma vai facilitar tanto a participação deles como o trabalho dos RIs”, antecipa De Simone. As empresas vão ter que disponibilizar, pelo menos 30 dias antes da assembleia, um boletim de voto eletrônico. No documento, acionistas com no mínimo 5% do capital social poderão incluir candidatos e propostas de votação. A mudança promete ser um bom instrumento nas mãos dos acionistas ávidos por fazer valer sua voz.

Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com


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