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O mercado quer saber
Leonardo Pereira responde a dúvidas e críticas dos investidores sobre a atuação da autarquia

À frente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde meados de 2012, Leonardo Pereira cumpriu pouco mais da metade de seu mandato. No período, enfrentou grandes turbulências. O escândalo de corrupção na Petrobras e a derrocada das companhias do empresário Eike Batista saíram do noticiário econômico e invadiram as páginas policiais. Casos de insider trading surgem com frequência, assim como críticas à atuação da CVM. A autarquia poderia ter evitado alguns desses problemas? Estamos nos preparando para punir com mais rigor aqueles que desrespeitam as regras do mercado de capitais? Na entrevista abaixo, a CAPITAL ABERTO deu voz a investidores institucionais e a pessoas físicas para que fizessem perguntas a Pereira sobre esse e outros assuntos. Confira, a seguir, os principais trechos.

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Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec): Nos últimos anos, vários casos geraram benefícios (financeiros ou não) aos controladores e prejuízos aos minoritários, como Petrobras, Eletrobras, Usiminas e Oi. Há uma percepção de que o enforcement da CVM é lento, ineficaz ou inexistente. O senhor concorda com essa percepção? Quais aprendizados podem ser tirados a partir desses casos?

Leonardo Pereira: Discordo dessa percepção. Sem fazer referência a caso específico, a CVM vem exercendo suas funções de maneira técnica e isenta. Não é objetivo da autarquia favorecer uma ou outra classe de acionistas, mas sim trabalhar na solução mais adequada para as questões que surgem no mercado. Não tenho dúvidas de que pontos a melhorar sempre existirão. O órgão que preza por uma boa governança precisa, sempre que necessário, fazer uma avaliação de si próprio e ajustar procedimentos. A CVM tem sua atuação pautada nesse ideal, revisitando práticas e precedentes sempre que identifica inconsistências ou anacronismos. Fruto dessa autoanálise foi, por exemplo, o estabelecimento de metas para tramitações mais céleres.

Ricardo Magalhães, sócio da gestora Argucia: A CVM tem a filosofia de só agir após a ocorrência de uma infração, mesmo contando com indícios anteriores. Não seria o momento de adotar uma postura diferente, analisando operações previamente ou solicitando esclarecimento quando há sinal de irregularidade em convocações de assembleia?

Leonardo Pereira: O trabalho de fiscalização da CVM é realizado sob dois aspectos principais: preventivo e por demanda. A ação profilática ocorre, em especial, com base no Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco (SBR). Também há a possibilidade de a CVM se manifestar sobre a irregularidade de determinada deliberação submetida à assembleia, o que ocorreu pelo menos duas vezes no último ano [em episódios envolvendo Forjas Taurus e CEB]. Na fiscalização por requerimento, a autarquia realiza o trabalho de apurar e investigar os fatos a partir de denúncias, reclamações ou solicitações de participantes do mercado. Por meio da atuação preventiva, por diversas vezes, já identificou problemas ou situações irregulares em potencial, antes de se concretizarem. Esse tipo de intervenção, no entanto, deve ser exercido de maneira ponderada e serena, sob pena de inviabilizar operações legítimas e meritórias, o que ameaça a liberdade de contratar dos agentes e o dinamismo do mercado de capitais.

“Não é nosso objetivo favorecer uma ou outra classe de acionistas, mas sim trabalhar na solução mais adequada para as questões do mercado”

Ricardo Magalhães: Quais ações estão sendo feitas pela CVM para evitar que grandes escândalos como Petrobras, Oi e empresas do Grupo X saiam impunes ou recebam multas irrisórias? Como o acionista minoritário prejudicado terá sua recompensa? Quais medidas serão adotadas para evitar que casos desse tipo voltem a acontecer?

Leonardo Pereira: Estamos sempre nos atualizando e buscando formas de acompanhar essa evolução e de tornar nosso desempenho mais efetivo. Nesse sentido, no fim do terceiro trimestre do ano passado, a CVM encaminhou ao governo federal uma proposta de revisão das penalidades aplicáveis pela autarquia (dispostas no artigo 11 da Lei 6.385 [que a criou, em 1976]), para que possa desestimular irregularidades. Especificamente no que tange à prevenção de práticas lesivas aos minoritários, acho importante destacar que grande parte do trabalho de fiscalização da CVM é feita segundo a metodologia de SBR. Também contamos com o Comitê de Identificação de Riscos (CIR), responsável pelo estudo de riscos emergentes relacionados a processos de inovação e à dinâmica dos mercados de valores mobiliários. Por fim, vale dizer que a CVM não possui mandato legal para determinar indenização, compensação ou qualquer tipo de ressarcimento ao minoritário lesado por práticas irregulares no mercado de capitais. Eventuais pedidos de indenização devem ser requiridos no Judiciário.

Amec: Há frustração no mercado com relação à ausência de ressarcimento aos investidores, principalmente em casos que terminam em termos de compromisso. Nos episódios de Sadia e Aracruz, investidores foram ressarcidos no exterior, mas não no Brasil. A CVM considera isso um problema? O que pode ser feito?

Leonardo Pereira: Temos aqui duas questões que precisam ser explicadas. A primeira diz respeito à legislação. A Lei 6.385 estabelece, em seu artigo 11 (parágrafo 5º, item II), que a CVM poderá assinar termo de compromisso em que o investigado ou acusado se obrigue a corrigir as irregularidades, inclusive indenizando os prejuízos. Nas ocorrências de insider, contudo, verifica-se, de modo geral, a impossibilidade de identificar prejuízos diretos e individualizados, senão ao mercado como um todo. Nessa circunstância, a indenização costuma ser feita à própria autarquia. De todo modo, o “caso Suzano” é exemplo de situação em que houve ressarcimento de investidores individualizados [no episódio, a uruguaia Vailly comprou ações de posse de informação privilegiada, na véspera da divulgação da compra da Suzano Petroquímica pelo Petrobras, em 2007, e as vendeu dias depois; os compradores desses papéis foram indenizados no ano seguinte].

Dynamo, gestora de recursos: Quais são as maiores dificuldades enfrentadas até aqui para punir investidores com insider trading? O que está sendo feito para coibir a prática?

Leonardo Pereira: O insider trading é um problema em todos os mercados. Uma prática extremamente nociva, cuja identificação é bastante desafiadora. Porém, se falamos em fortalecer o mercado de capitais com o objetivo de prepará-lo para financiar o crescimento econômico, nós temos que encarar essa questão de frente. Tudo tem que estar desenhado para termos supervisão e instruções cada vez mais sólidas e eficientes, no intuito de desenvolver uma atividade sancionadora equilibrada e efetiva. Como anunciei durante a Conferência da Organização Internacional das Comissões de Valores (Iosco), realizada em outubro no Rio de Janeiro, a CVM criou uma força-tarefa interna para enfrentar o problema. Desde o fim do segundo semestre de 2014, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) acompanha 100% das negociações dos administradores durante períodos de silêncio que antecedem a divulgação de balanços das companhias. É um avanço e uma visão estratégica do tema.

Ricardo Magalhães: O que será feito para reduzir o tempo de análise dos casos que chegam à CVM?

“A CVM não possui mandato legal para determinar indenização, compensação ou qualquer tipo de ressarcimento ao minoritário lesado”

Leonardo Pereira: A CVM tem sido mais vocal tanto em relação às metas internas para análise das investigações, em se tratando das áreas técnicas, como para a apreciação dos casos pelo colegiado. No ano passado, por exemplo, estabelecemos e cumprimos três metas. Primeira, não haver, em curso nas diversas superintendências ou inquéritos administrativos, processos abertos antes de janeiro de 2009. Segunda, não ter processos que aguardassem pela instauração de inquérito administrativo desde antes de 2010. Para garantir que a maior celeridade na tramitação não comprometesse a qualidade de sua instrução, instituiu-se e cumpriu-se um terceiro objetivo. Ele consiste em ter, no mínimo, 62% das acusações encerradas, sem unanimidade dos diretores [o que revela a ampla discussão dos pontos examinados]. Para este ano, já temos novos propósitos em vigor: não reter os processos nas diversas superintendências nem aqueles que aguardam instauração de inquérito administrativo, bem como processos administrativos sancionadores pendentes de julgamento, cuja distribuição (definição de relator) tenha ocorrido antes de janeiro de 2013.

Guilherme Affonso Ferreira, investidor: Como a CVM se sente julgando casos que envolvem o governo federal brasileiro? Existe alguma situação em que a decisão tenha sido mais branda por se tratar da União como controladora?

Leonardo Pereira: Nesses dois anos e meio em que estou à frente da CVM, nunca sofri interferência governamental. Julgamos alguns casos envolvendo estatais, como a eleição dos representantes dos acionistas minoritários na Petrobras e o atraso na divulgação do balanço da Eletrobras, e nossas decisões foram puramente técnicas. Hoje, acredito que os governantes, os participantes do mercado e a população como um todo entendem a independência da CVM e a importância de preservá-la.

Dynamo: Qual a sua opinião sobre os conflitos de interesses em sociedades de economia mista? Como a CVM pode evitar essa circunstância no conselho de administração e durante as assembleias?

Leonardo Pereira: Sempre que necessário, a CVM se manifesta a respeito do assunto, tendo em vista a avaliação técnica de casos concretos e específicos. De maneira geral, as discussões sobre conflito de interesses trazem à tona entendimentos da legislação, seja em sociedades de economia mista, seja nas demais companhias abertas. Nossa atuação pode ocorrer de maneira preventiva ou repressiva, nos moldes já esclarecidos anteriormente. Não obstante, os casos de conflito devem ser sempre analisados pela CVM à luz das condições e características apresentadas no momento da avaliação da matéria.

Amec: É chegada a hora de estabelecer a visão do regulador sobre o alcance e os limites das exceções do artigo 238 da Lei 6.404? [O trecho abre a possibilidade para o controlador da companhia de economia mista orientar suas atividades “de modo a atender ao interesse público que justificou sua criação”.]

Leonardo Pereira: A interpretação da CVM sobre a Lei das S.As. é construída com base em casos concretos. Não houve manifestação do colegiado sobre os limites das exceções do artigo 238 porque, até o momento, não lhe foram submetidas situações que demandassem esse tipo de exame. Quando isso ocorrer, faremos uma análise técnica, equilibrada e independente.

Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil: Têm sido cada vez mais frequentes as operações que geram diferentes opiniões e posições sobre controle acionário e tag along. Na sua opinião, que elementos configuram a troca de controle acionário de uma companhia?

Leonardo Pereira: Não há uma receita pronta para dizer, sem a ponderação necessária, quais elementos caracterizam ou não uma operação de alienação de controle de modo a disparar o direito de tag along. Até porque ter uma receita excessivamente prescritiva poderia institucionalizar uma burla à regra. Por isso, todos os fatos relativos a possível troca de controle acionário que chegam ao conhecimento da CVM são detidamente analisados, sempre com base nas características concretas da operação societária e à luz da regulamentação aplicável.

JGP, gestora de recursos: Quais são as prioridades de regulamentação da CVM em 2015?

“Nesses anos à frente da CVM, nunca sofri interferência governamental. Os julgamentos envolvendo estatais foram puramente técnicos”

Leonardo Pereira: Além da edição da nova Instrução 306 [editada originalmente em 1999, regulamenta a atividade de administrador de carteiras], está prevista a substituição das Instruções 10 e 390, publicadas em 1980 e 2003, respectivamente. O objetivo é aprimorar o conjunto de regras referentes a compra e venda de ações de emissão própria e a derivativos referenciados nesses papéis. Além disso, pretendem-se alterar dispositivos da Instrução 358, de 2002, para disciplinar, de forma ainda mais clara, a divulgação de informações quando um investidor adquire parcela relevante do capital de companhia aberta, inclusive por meio de derivativos. O tema da votação à distância nas assembleias também estará em pauta este ano. Além disso, buscaremos propor uma audiência pública para consolidar, em minuta de instrução, a reforma das regras relativas ao fundo de investimento em participações (FIP) e ao fundo mútuo de investimento em empresas emergentes (FMIEE), a fim de atender ao mercado de private equity e venture capital. No âmbito contábil, entre outras questões, a CVM atuará ativamente em conjunto com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) para criar norma sobre transações realizadas entre entidades sob controle comum, como, por exemplo, combinação de negócios entre essas entidades.

Dynamo: Como melhorar as ferramentas da CVM para que aprimore o acompanhamento e a regulação do mercado de capitais? Como está a discussão para aumentar o orçamento da autarquia e, assim, incrementar sua capacidade para investir?

Leonardo Pereira: A CVM e a administração federal como um todo devem observar regras constitucionais, legais e regulamentares específicas. Nesse contexto, a autarquia procura ter em seu orçamento tudo o que se faz necessário ou útil para seu mandato legal ser desempenhado de maneira eficiente. De forma bem encaminhada, existem diálogos com a União para ampliar questões consideradas importantes e continuar garantindo o bom andamento do mercado.

Amec: Na percepção da CVM, os investidores institucionais têm atuado com diligência na defesa dos interesses de seus clientes, seja no dia a dia das companhias, seja no uso dos recursos legais e regulatórios à sua disposição?

Leonardo Pereira: Esse assunto é bastante relevante. Não há dúvidas de que, como responsáveis por movimentar volumes significativos, os investidores institucionais compõem um dos mais importantes participantes do mercado de capitais. Inicialmente, acredito que todos os que fazem parte do mercado devem se autoquestionar: “Qual é o meu papel no segmento?”. Educar os participantes, quer sejam investidores, quer sejam reguladores ou mesmo autorreguladores, é imprescindível. A partir do momento em que eles se conhecerem e entenderem suas particularidades, direitos e deveres, poderão utilizar plenamente as ferramentas legais e regulatórias disponíveis.


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