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Contabilidade a valor justo e aportes em ativos estrangeiros esquentam discussões sobre novas regras para FIPs

33-34No dia 16 de julho, a regulamentação dos fundos de investimento em participações (FIPs), de número 391, completou seu 12º aniversário. Em pouco mais de uma década, abriu caminho para o crescimento da indústria de capital de risco brasileira — o patrimônio desses fundos saltou de meros R$ 2,4 bilhões em 2005, quando esse número começou a ser contabilizado, para R$ 170 bilhões em junho deste ano, de acordo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A Instrução 391 não está sozinha na regulação dos fundos de capital de risco — a ela se somam as normas 209 e 460. A primeira regulamenta os fundos de investimento em empresas emergentes (FIEEs); a segunda, os FIPs de infraestrutura e os de pesquisa e desenvolvimento (FIP-IE e FIP-PD&I). Em breve, essas três regulamentações poderão se tornar uma só. Essa é a proposta de uma minuta de instrução concebida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para atribuir novas regras aos FIPs. A expectativa é que seja submetida à audiência pública no segundo semestre de 2015. E entre outubro e dezembro deve ser publicada uma instrução sobre as normas contábeis dos FIPs, atualmente sem regras específicas.

A proposta da autarquia nesta última é que todos os FIPs adotem o valor justo (uma espécie de estimativa do valor de mercado do ativo) para contabilizar suas participações. Hoje, o administrador do FIP pode escolher se adota esse método ou o custo histórico de aquisição (gasto para comprar a participação acionária). Este último é comumente usado pelos fundos com cotistas nacionais, enquanto o primeiro é o preferido dos veículos com cotistas estrangeiros, já adaptados a esse sistema nos Estados Unidos e na Europa. Entre os que veem a sugestão do regulador com bons olhos está Luiz Eugenio Figueiredo, vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCap). “A padronização da regra contábil permitirá maior comparabilidade e aproximará o mercado nacional do estrangeiro”, afirma. Outro argumento em favor do valor justo é a maior transparência. Ao adotá-lo, os FIPs teriam de avaliar seus ativos com periodicidade definida.

Há também quem acredite que a contabilização dos ativos a valor justo favoreceria a negociação das cotas dos FIPs no mercado secundário. Nos fundos nos quais o custo histórico é usado, a rentabilidade obedece à chamada Curva J: no início, o rendimento cai devido às despesas operacionais (como taxa de administração), mas depois sobe bruscamente quando o ativo é vendido com lucro. Na visão de alguns especialistas, a utilização do custo histórico dificulta a precificação das cotas por parte de potenciais investidores — inibindo as negociações no secundário. A adoção do valor justo, ao atualizar com maior frequência o valor das cotas, minimizaria esse problema e contribuiria para o incremento das negociações.

A mudança também poderia beneficiar os investidores institucionais, pressionados para bater as metas atuariais. Com a adoção do valor justo, a precificação das cotas tende a subir — ao menos é isso que costuma ocorrer quando o gestor acerta mais do que erra na escolha da empresa investida. De acordo com Carlos Asciutti, líder de private equity da EY (ex-Ernst&Young), a transição deve provocar grandes oscilações nas cotas dos FIPs, e para cima.

Pé atrás
No grupo dos que veem a adoção do valor justo com cautela está Guilherme Cooke, sócio do escritório Velloza & Girotto. Sua preocupação é a de que ela torne mais complexa a venda dos ativos a bons preços ou estreite a porta de saída de investimentos. Isso porque, ao conhecer o valor justo do ativo, possivelmente o comprador não esteja disposto a negociar com o gestor do FIP a aquisição a um preço superior. E aqui, diferentemente do exterior, a informação sobre o valor justo será obrigatoriamente pública. Lá fora, esse problema não ocorre porque muitos fundos são criados em jurisdições em que não há regulamentação sobre esses produtos, ou a carteira dos fundos de private equity é aberta apenas aos cotistas e reguladores.

Leandro Benzecry, sócio do escritório Benzecry & Pitta, também se preocupa com a eventual dificuldade nas negociações. Para ele, embora o valor justo seja uma indicação de quanto o ativo valeria no mercado, é só no momento da venda que se sabe seu real preço. O advogado também ressalta que a adoção acarretará aumento de custos para os FIPs. A avaliação das participações a valor justo, afinal, deverá ser feita por empresa contratada, e a conta desse serviço sairá do bolso do cotista. Diante das ponderações, Benzecry acredita que o custo histórico deveria ser mantido, com a necessidade de se realizar testes de impairment quando houver mudanças relevantes nas condições de mercado e nas expectativas de retorno dos investimentos. “A norma atual dos FIPs funciona bem, sem ser cara. O ideal é mantê-la simples e flexível, deixando o regulamento como principal regulador das relações entre investidores e gestores”, afirma.

No exterior
A alteração da Instrução 391 também deve gerar algumas controvérsias. De acordo com a CVM, o mercado solicitou mudanças pontuais na norma. Entre elas, a possibilidade de os FIPs realizar investimentos no exterior, a segmentação da indústria por tipo de fundo, incluindo os patrimoniais (voltados ao planejamento do patrimônio de famílias), e a atribuição de direitos distintos a uma ou mais classes de cotas. Ao longo dos últimos dois anos, um grupo de trabalho formado por representantes da indústria de capital de risco e a autarquia discutiu os assuntos mais importantes da regulamentação. Em audiência restrita encerrada recentemente, instituições como ABVCap, Anbima, BM&FBovespa e a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) se manifestaram.

Um ponto polêmico diz respeito ao investimento no exterior. Atualmente, os FIPs não podem investir em ativos de países estrangeiros — quando a norma foi editada, em 2003, o private equity crescia ancorado no argumento de que era uma importante ferramenta para o desenvolvimento da economia brasileira. A regra tornou-se um gesso para os investimentos. Conservadores, alguns advogados desaconselham seus clientes até a comprar participações em empresas brasileiras com subsidiárias em outros países, receosos de que elas sejam consideradas investimento estrangeiro. O fato é que os tempos são outros. Paulatinamente, o brasileiro vem buscando alocar parte de sua poupança no exterior — e faz isso, principalmente, através dos fundos multimercados. Se os institucionais e até mesmo as pessoas físicas já têm acesso a esse tipo fundo, regulado pela Instrução 555, por que não viabilizar aplicações fora do País por meio dos FIPs?

Para a ABVCap, a diversificação geográfica seria positiva, mas com limites. A questão é como calibrá-la. Há contornos políticos margeando o tema. Sendo o capital de risco um importante provedor de recursos de longo prazo para as empresas nacionais, faria sentido canalizá-lo para companhias estrangeiras, mesmo em pequena proporção? O tema promete gerar discussões. Outros dois pontos que devem ser levados em conta, na opinião de Benzecry, são: como garantir acesso às informações das empresas investidas no exterior e de que forma controlar os limites de concentração dos investimentos por emissor.

A nova 391 também promete novidades a respeito dos critérios de classificação dos FIPs. Muitos são usados para gestão patrimonial ou operações de fusões e aquisições, fugindo do objetivo clássico de aportar recursos para desenvolvimento de uma empresa e sua posterior venda. Diante disso, a existência de alguma forma de classificação facilitaria a compreensão e o real dimensionamento da indústria de FIPs.

Flexibilidade
Além disso, a regra pode abarcar normas relativas a outros investimentos, como os feitos em empresas emergentes.
A regulamentação que trata do FIEE é de 1992, considerada defasada e muito custosa para quem aplica em empresas em estágio inicial. Por conta disso, esse tipo de fundo não decolou e muitos foram constituídos sob a forma de FIPs, apesar de contarem com uma instrução dedicada ao produto. Segundo Figueiredo, da ABVCap, seria necessário modernizar a instrução, dando descontos regulatórios, como maior tempo para envio das demonstrações contábeis das companhias investidas. “O ideal seria, sem reduzir as exigências, reconhecer algumas particularidades desse tipo de investimento e flexibilizá-lo”.

Outro ponto que pode ser alterado, a pedido do mercado, trata da possibilidade de atribuição de direitos distintos a uma ou mais classes de cotas. Hoje, os FIPs já podem ter cotas com direitos políticos e patrimoniais diferentes. Os investidores estrangeiros, por exemplo, comumente adquirem cotas nas quais a taxa de performance é cobrada sobre o rendimento do fundo em dólar. Os nacionais, por sua vez, compram aquelas nas quais a taxa é sobre a rentabilidade em reais. Quanto aos direitos políticos, alguns cotistas têm garantia de voto em determinadas matérias, outros não. Os nacionais geralmente querem participar de comitês de investimento e votar, enquanto os estrangeiros costumam delegar as decisões para os gestores. A sugestão do mercado é ampliar a possibilidade de diferenciação dos direitos patrimoniais. Cotas com diferentes regras de integralização do investimento, por exemplo, passariam a existir: em algumas, ela poderia ocorrer de uma vez só; em outras, seria feita aos poucos, dando mais flexibilidade e opções aos investidores.

Com mais de uma década de vida, é natural que a regulamentação dos FIPs precise ser recauchutada para se adaptar às mudanças do mercado. Enquanto alguns pontos são mais pacíficos — como a ampliação de distinções das cotas e a classificação dos FIPs —, outros prometem gerar debates acalorados antes de serem incluídos na norma final.

Ilustração: Marco Mancini e Beto Nejme/Grau 180.com


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