Como vimos na edição passada, a criação de valor para o acionista serviu de pano de fundo para o movimento da governança corporativa desde seu início, na década de 1980. Desde então, as práticas recomendadas pelos códigos de governança são vistas como ferramentas para aumentar a riqueza dos sócios.
À primeira vista, esse entendimento parece adequado. Afinal, o valor para o acionista deveria ser consequência do resultado de longo prazo da empresa. O problema é que o conceito foi convertido em busca frenética do maior retorno financeiro possível no curto prazo. No caso das companhias listadas, ocorreu algo ainda pior: a geração de valor foi reduzida à ideia de que maximizar o preço das ações deveria ser o objetivo maior da administração. As empresas passaram por um processo crescente de financeirização”, em que a governança corporativa serviu de suporte a essa crença.
Há um sério efeito colateral aí. Na medida em que os executivos procuram o maior ganho para seus acionistas a qualquer custo, muitas companhias pressionam e sacrificam cada vez mais o interesse das outras partes (empregados, fornecedores, comunidades e sociedade), bem como o das próximas gerações — o que inclui os próprios acionistas futuros.
Isso ficou claro na última crise global, quando os bancos com maior alinhamento financeiro entre executivos e sócios e grande presença de investidores em seus conselhos sofreram os piores prejuízos. Dirigentes e muitos investidores, entre os quais gestores de fundos, embolsaram ganhos enormes nos anos pré-crise. Quando o colapso ocorreu, a conta ficou para os stakeholders e a sociedade. Ambos jogaram o jogo do “cara, eu ganho; coroa, você perde”. Como a responsabilidade dos acionistas é limitada, em muitos casos eles gostam de jogar a moeda, bem como de incentivar os executivos a fazer o mesmo.
Essa correlação vale não apenas para os bancos, mas também para as empresas que continuam a gerar passivos futuros potencialmente explosivos (como os de ordem ambiental, trabalhista e social). Esses passivos serão arcados integralmente pela sociedade, e não pelos acionistas. Há sempre um incentivo perverso para que os investidores, principalmente aqueles de curto prazo, saiam antes de as consequências virem à tona.
Segundo Colin Mayer, da Universidade de Oxford, a boa governança depende do equacionamento de três questões: o alinhamento de interesses entre gestores e sócios; a transferência de recursos entre as diversas partes interessadas da empresa; e as relações entre os diferentes grupos e gerações de acionistas. Ao se concentrar apenas na primeira questão, a governança causa desequilíbrios importantes. Quanto mais se reduz o problema à composição de interesses entre executivos e sócios, mais cresce o conflito entre estes e os outros stakeholders, bem como a divergência entre os acionistas atuais e os futuros.
O foco excessivo no resultado financeiro tem originado outros problemas importantes: subinvestimento em capital físico e humano pelas empresas; desprezo a aspectos morais nas decisões corporativas; desumanização dos vínculos com stakeholders; proliferação de escândalos empresariais; e menor confiança do público no mercado de capitais.
Obter retornos financeiros adicionais à custa do sacrifício das partes interessadas e das gerações futuras não constitui boa governança empresarial. Tendo em vista que as companhias possuem prazo de vida indeterminado, os administradores devem se concentrar em promover relações saudáveis e longevas com seus stakeholders e a sociedade. Afinal, é isso que a Lei das S.As. exige, em seu artigo 154.
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