Garras afiadas
Empresas debilitadas pelas descobertas da Lava Jato viram presas de fundos abutres internacionais

143 Fundos abutres_RV1-1Um dos fundos abutres mais importantes do mundo, com cerca de US$ 5 bilhões de patrimônio sob gestão, o Aurelius Capital Management está sobrevoando o Brasil. Por aqui, contabiliza, ao menos, duas presas: OAS e Petrobras. Poucos anos atrás, o Brasil não atraía o interesse desses fundos: possuía uma economia em expansão, que sustentava o crescimento das companhias. Porém, diante do declínio da atividade econômica, da escassez de crédito e do aumento dos juros e da inflação, a situação mudou. Nos últimos 12 meses, até maio, 948 companhias brasileiras entraram com pedido de recuperação judicial e 1.763 requereram falência, de acordo a Serasa Experian. Desse total, quase metade é composta por empresas de grande ou médio porte.

A alcunha de abutre é atribuída aos veículos especializados na compra, no mercado secundário, de títulos “podres” de dívida emitidos por empresas ou países em dificuldade financeira, com o propósito de cobrar esses pagamentos na Justiça por valores bem maiores do que desembolsaram. Alguns deles, como o Aurelius, atuam de forma agressiva na cobrança das dívidas, travando grandes batalhas judiciais com os países ou companhias das quais são credores. O que fazem não é ilegal, mas o fato de sufocarem ainda mais as companhias num momento de crise é repugnante. Para os abutres, não interessa, por exemplo, participar de renegociações de dívidas que possam significar pagamentos a longuíssimo prazo e com juros menores para ajudar o emissor a se recuperar. Eles almejam ganhar integralmente o valor devido, com o maior prêmio possível e, de preferência, em pouco tempo. Tanto faz se as suas medidas poderão acelerar ainda mais a falência da empresa.

O Aurelius adquiriu bônus em moratória da Argentina em 2008. Junto com alguns outros credores, não aceitou as trocas de dívidas propostas pelo país, embora esta tenha sido a opção da maioria (92%). A Argentina visava reestruturar uma dívida em moratória de US$ 100 bilhões, com grande economia em juros e prazos de pagamento estendidos. O Aurelius deu de ombros à proposta e processou a Argentina na Justiça dos Estados Unidos para receber o devido. Em 2012, o juiz Thomas Griesa determinou que a nação presidida por Cristina Kirchner pagasse US$ 1,33
bilhão mais juros ao grupo de credores liderado pelo Aurelius e ao NML Capital, outro fundo abutre. O governo recorreu até a Suprema Corte, que, em maio do ano passado, manteve a decisão do juiz. O ganho dos fundos foi estratosférico: em 2008, haviam adquirido os títulos por US$ 428 milhões.

“Esses fundos levantaram muito dinheiro nos Estados Unidos e na Europa, regiões em que as economias estão estabilizadas e pouco interessantes para este tipo de investimento. Agora, buscam lugares onde possam trabalhar”, avalia o sócio do banco Brasil Plural, Warley Pimentel. O Brasil, com seu vasto número de empresas endividadas ou em recuperação judicial devido à Operação Lava Lato, tornou-se um desses locais.

Estima-se que os fundos abutres Aurelius Capital Management, Huxley Associate e Alden Global Capital detenham atualmente 20% dos bônus da dívida do grupo OAS, uma das empresas investigadas pela Operação Lava Jato por supostamente participar do esquema de corrupção e cartel que se apossou de contratos bilionários da Petrobras no período entre 2003 e 2014. Os títulos, comprados no mercado secundário desde dezembro do ano passado, já com a Lava Jato em andamento, dão a eles os mesmos direitos dos outros credores da companhia. Atualmente, 70% dos papéis da dívida de R$ 8,8 bilhões da empresa estão em mãos dos estrangeiros.

De acordo com uma fonte próxima à companhia, o Aurelius e os demais fundos abutres estariam tentando asfixiar a OAS para ir à bancarrota, o que lhes facilitaria a cobrança dos títulos de dívida na Justiça. Como o foco desses fundos é obter retorno no menor tempo possível, não interessa receber o pagamento ao longo dos anos, como costuma ocorrer com empresas em recuperação judicial. “Em 95% dos casos, os abutres compram títulos de empresas quando a operação está quase parando e tentam sufocá-las com ações na Justiça. Isso acarreta um custo grande com advogados, num momento em que a empresa está definhando”, observa.

143 Fundos abutres_RV1-3Os abutres Aurelius, Huxley e Alden abriram processos na Justiça contra a OAS nos Estados Unidos, no Brasil e nas Ilhas Virgens Britânicas. Nestas últimas, pediram para um interventor assumir a OAS Investments Limited e a OAS Finance Limited, empresas não operacionais criadas para captar recursos no exterior. Para flagelo da companhia de infraestrutura e engenharia, foram bem-sucedidos. “A OAS não tem nenhum ativo nas Ilhas, mas a entrada do interventor é suficiente para trazer insegurança a fornecedores e clientes e atrapalhar a recuperação da empresa”, diz a fonte, que pediu para não ser identificada. Procurado pela reportagem, o Aurelius não concedeu entrevista.

A Petrobras também já sentiu a pressão dos abutres. Em nota divulgada à imprensa em janeiro deste ano, o presidente do Aurelius, Mark Brodsky, reclamou do fato de o balanço não auditado da estatal, referente ao quarto trimestre de 2014, não obedecer às regras contábeis do International Accounting Standards Board (Iasb), uma exigência para empresas emissoras de títulos nos Estados Unidos. A Petrobras havia ressaltado em suas notas explicativas que as demonstrações estavam de acordo com o IAS 34, exceto pelos erros nos valores dos ativos sobrevalorizados pela corrupção.

Brodsky aproveitou a oportunidade para tentar convencer outros credores de que a empresa brasileira não honraria suas dívidas: “Apesar das recentes garantias, a Petrobras permanece em calote de seus títulos que seguem a legislação de Nova York. Esses títulos requerem que a empresa divulgue balanços financeiros de acordo com as regras do Iasb”. Se os detentores de 25% dos títulos da Petrobras concordassem com o Aurelius e notificassem a companhia, a Petrobras teria dois meses para apresentar o balanço auditado e em conformidade com o padrão internacional ou seria declarado o calote da dívida. Nessa situação, seria desencadeado o pagamento de credit default swaps, uma espécie de garantia que o credor recebe em caso de falha de pagamento. Para alívio da Petrobras, os investidores ignoraram as investidas do Aurelius.

Sem dó
A atuação dos abutres é antiga. Eles ganharam popularidade há 20 anos, quando o fundo americano Elliott Associates LP, capitaneado por Paul Singer, comprou US$ 28,7 milhões em títulos soberanos do Panamá por US$ 17,5 milhões (40% de desconto). No ano seguinte, quando o governo panamenho pediu uma reestruturação de sua dívida externa, a maioria dos credores aceitou, à exceção do Elliott. O fundo entrou com uma ação no tribunal de Manhattan, em Nova York, para buscar o reembolso do valor integral dos títulos, acrescido de juros e taxas. O governo do Panamá foi condenado a pagar mais de US$ 57 milhões ao Elliot, além de US$ 14 milhões aos demais credores.

Até então, países não eram processados em tribunais regulares americanos, mas o processo movido pelo Eliott abriu precedente. Há 15 anos, o Peru foi atacado pelo abutre NML Capital, associado ao Elliot. Depois de quatro anos nos tribunais, o país foi obrigado a pagar quase US$ 56 milhões por papéis que o fundo havia comprado no mercado secundário por US$ 11,8 milhões. A Argentina, embora tenha sido condenada a pagar US$ 1,33 bilhão ao Aurelius Capital e ao NML, ainda reluta em abrir a carteira. O ministro da economia, Axel Kicillof, disse que o país “nunca vai pagar os credores que não aceitaram os termos de reestruturações de dívidas realizadas em 2005 e 2010 e foram rotulados como abutres”.

A atuação desses fundos é criticada por lideranças e especialistas internacionais. “Nós condenamos a perversidade com a qual os fundos abutres compram bônus soberanos de países a um preço baixo e fazem lucro processando o devedor para recuperar o valor total, um resultado moralmente ultrajante”, declarou Gordon Brown, ex-primeiro ministro britânico, em discurso na Organização das Nações Unidas, em 2002. Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Columbia e vencedor do Prêmio Nobel de Economia (2001), defende que as dívidas soberanas precisam de supervisão internacional. “Com a ausência de um Estado de direito internacional para solucionar defaults soberanos, o mundo paga um preço mais elevado do que deveria para essas reestruturações”, diz. De acordo com Stiglitz, os litígios envolvendo a cobrança de dívidas devidas pelos países não são resolvidos de forma justa. O economista lembra que, no caso da Argentina, um pequeno número de investidores comprometeu a reestruturação da dívida inteira, já aceita pela esmagadora maioria dos credores do país.

No ano passado, mais de 100 economistas, incluindo o Prêmio Nobel Robert Solow (1987), escreveram uma carta ao Congresso dos Estados Unidos solicitando uma legislação para inibir a ação de fundos abutres sobre dívidas soberanas. Ela faz referência à Lei de Alívio da Dívida, aprovada no Reino Unido em 2010 para impedir os credores de explorarem os países mais pobres através dos tribunais britânicos. Até o momento, não há notícias sobre a criação dessa lei.

143 Fundos abutres_RV1-2Lado do bem
Nem todos os fundos que compram papéis emitidos por empresas em dificuldade (os chamados “distressed assets”), no entanto, são abutres. Há os que, quando não há crédito no mercado, financiam essas empresas, na expectativa de recuperação, para então atribuir-lhes retornos elevados. Um desses fundos foi lançado no início de junho pelo Brasil Plural, que administra R$ 25 bilhões em ativos e investimentos diretos.

De acordo com análise do banco, cerca de 900 empresas brasileiras atualmente trabalham com alavancagem de mais de sete vezes o patrimônio. No entanto, apenas 10% delas estão no radar do Brasil Plural Special Situations Fund, um fundo de R$ 100 milhões criado em parceria com o International Finance Corporation (IFC), braço de investimento do Banco Mundial para o setor privado. O objetivo do fundo, segundo seus gestores, é resolver problemas de estrutura de capital de empresas em crise e, é claro, gerar altos índices de retorno aos cotistas, com meta de taxa interna de retorno (TIR) de 60% ao ano. “É um fundo que tem no seu componente a visão de participação, apesar de a entrada se dar por operações de dívida. O objetivo é achar companhias com bons fundamentos de negócio e com uma estrutura de capital inadequada”, explica Fábio Vassel, sócio do Brasil Plural. A proposta é concentrar os investimentos em apenas quatro ou cinco empresas de segmentos industriais como agribusiness, automotivo, construção, químico e bens de capital. “São setores que geralmente têm ativos para dar em garantia”, diz Vassel.

A opção do Brasil Plural por montar um fundo de distressed asset que compra crédito, e não ações, como na maioria dos fundos do tipo, tem uma razão: o investimento em títulos da dívida coloca o fundo na posição de credor, o qual, conforme a Lei de Falências do Brasil (11.101) promulgada em 2005, tem prioridade em relação aos acionistas na ordem de pagamento em processos de recuperação judicial.

Também de olho no segmento de empresas em dificuldade, a Península Investimentos, apoiada pelo Credit Suisse, está em fase de captação de recursos. A gestora brasileira planeja levantar R$ 500 milhões para investir em ativos corporativos problemáticos, especialmente de empresas em recuperação judicial. O fundo nasce com expectativa de retorno de 25% a 30% ao ano. Em entrevista à Bloomberg, em março, o CEO da gestora, Antônio Quintella, apontou a depreciação cambial como um gerador fundamental de problemas para as empresas nacionais. “Os bancos estatais que sustentavam a expansão do crédito no Brasil desde a crise de 2008 estão recuando, e a severa desvalorização do câmbio exerce pressão sobre as empresas com dívidas em dólares”, afirma. “Veremos uma recessão econômica grave, com indivíduos e empresas altamente alavancados.” Quintella preferiu não conversar com a capital aberto para esta reportagem por estar ainda em fase de captação.

O ambiente para investidores que buscam empresas endividadas, seja para tirá-las do buraco ou socá-las ainda mais nele, está especialmente convidativo. Cabe aos formuladores de políticas agir para suas investidas destrutivas terem limite.

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180


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