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Especialistas discutem reforma da norma de fundos imobiliários

, Em construção, Capital AbertoEm construção-2É de 2008 a norma que regula o funcionamento dos fundos de investimento imobiliário (FIIs), a ser substituída em breve. Em agosto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública proposta de alteração da Instrução 472, com o intuito de aperfeiçoá-la, sobretudo, em dois aspectos: divulgação de informações pelos administradores e governança dos fundos. As mudanças propostas pela autarquia foram discutidas na 12ª edição do Círculo de Debates da CAPITAL ABERTO. A seguir, confira uma seleção de trechos do debate.

CAPITAL ABERTO: A CVM propõe que detentores de, no mínimo, 1% do total de cotas emitidas pelo fundo possam aprovar a eleição de um representante dos cotistas em carteiras com mais de cem investidores. Na visão de vocês, essa proposta é adequada?

José Diniz: Eu acredito que não. Nós defendemos que o representante seja eleito por um quórum representativo de cotistas. Da mesma forma que os administradores são obrigados a buscar um quórum qualificado para aprovar determinadas matérias, entendemos que os cotistas também devem ser obrigados a perseguir um quórum minimamente representativo para eleger um representante. Na Rio Bravo, com o percentual de 1%, há em cada FII uns 30 cotistas que, sozinhos ou com mais um investidor, detêm esse percentual.

Reinaldo Lacerda: Ninguém é contra a figura do representante de cotista, mas essa pessoa precisa efetivamente representar os investidores do fundo. Estamos finalizando uma proposta para levar à CVM e devemos sugerir que esse número seja elevado para cerca de 5%.

Ricardo Orihuela: Eu já fui escolhido representante de cotistas em 2004 no fundo Continental Square Faria Lima. Além de mim, foram eleitos o Sérgio Belleza [profissional que desde 1991 atua na indústria de FIIs], representantes da Petros, que era dona de 30% das cotas, e mais três cotistas com perfil parecido ao meu. Graças ao conhecimento técnico do Belleza e ao amparo jurídico da Petros, conseguimos ganhar uma briga com o gestor, que havia parado de pagar a renda garantida prevista pelo fundo. Entretanto, se não tivéssemos a representatividade, o que conseguimos tendo um investidor relevante ao nosso lado, eu tenho dúvidas quanto ao resultado final — se teria sido o mesmo. Ainda assim, no fim da reunião muitos cotistas já nos olhavam com cara de: “Quem é esse cara que a gente acabou de eleger?” É como se automaticamente você passasse a ser chapa-branca. Minha preocupação é se vamos ter cotistas com capacitação para exercer o papel. A meu ver, a CVM está terceirizando a fiscalização para o elo mais fraco do sistema, que é o pequeno cotista. A ele estão sendo atribuídas as mesmas obrigações do administrador, mas sem ferramental para isso.

Bruno Luna: Acho importante frisar que o representante do cotista não precisa ser necessariamente um investidor do fundo. Pode ser um profissional contratado, conforme a norma permite. Quanto à qualificação do representante, a CVM já tem um programa de capacitação, cujo carro-chefe é o investimento imobiliário. E nada impede que a gente faça uma capacitação para o representante, talvez com o apoio da autorregulação. Também cabe esclarecer que a CVM não quer, com isso, terceirizar o papel da fiscalização. O que a gente espera é que o representante nos ajude no desenvolvimento desse mercado.

Ana Utumi: O que eu achei interessante na figura do representante do cotista é ela ser um espelho do conselheiro fiscal existente nas companhias abertas.
Na minha visão, é positivo ter alguém próximo ao administrador olhando se tudo está correto. Com relação ao quórum para eleição do representante, é importante que ele não seja muito alto. Caso contrário, isso pode virar um problema, inclusive do ponto de vista tributário. Se o fundo começar a ter investidores com participações grandes, ele pode vir a ter menos do que 50 cotistas e perder o incentivo fiscal.

Reinaldo Lacerda: A Ana colocou muito bem essa questão da similaridade entre o conselheiro fiscal e o representante de cotista. Uma confusão bastante comum é o representante achar que é gestor do fundo. Muitos pensam que, uma vez empossados, podem tomar decisões junto com o gestor. E isso não é verdade. Sua função é fiscalizar.

Bruno Luna: Hoje, a norma de FIIs trata genericamente o papel do representante dos cotistas, o que, de fato, gera dúvidas sobre a fronteira de atuação do representante e do administrador. Por isso, na minuta, estabelecemos exatamente quais são os deveres dos representantes. Vale lembrar também que essa figura não existe apenas nos fundos imobiliários. Ela também está presente no FIDC, por exemplo. No caso dos FIIs, no entanto, ganha notoriedade porque esse produto tem um mercado secundário ativo.

José Diniz: Essa definição do papel de cada um é muito importante, e ela ainda não está clara para alguns investidores. Há algumas semanas, um cotista ligou para mim dizendo que detém pouco mais de 1% das cotas e que, pela regulamentação proposta pela CVM, ele poderia se eleger representante. Caso isso ocorresse, disse que gostaria de convocar uma assembleia para definir os rumos estratégicos do fundo. E olha que esse cotista é um empresário de sucesso, uma pessoa qualificada. Assim, por mais que se tenha tentado estabelecer essa fronteira entre a atuação do representante e a do administrador, por um tempo alguns calos serão pisados, e a CVM irá receber reclamações do tipo: “O administrador não me deixou fazer a minha
reunião estratégica”.

Alexandre Machado: A eleição de um representante de cotistas é uma evolução e pode ajudar na questão da transparência. Algumas informações do fundo eventualmente não são passíveis ou não são interessantes de serem divulgadas abertamente. E talvez o representante seja esse elemento que consegue acessar um pouco mais de informação. Por isso, diante da facilidade de obter o 1%, me preocupa a inserção nesse ambiente de pessoas eventualmente mal-intencionadas, movidas por interesses que não sejam exatamente o do fundo ou dos cotistas.

Ana Utumi: Justamente para evitar a má-fé é que eu vejo com bons olhos atribuir responsabilidades aos representantes. Para que ele saiba que deve agir como um homem probo, em benefício de todos os cotistas.

em-construcaoCAPITAL ABERTO: Além das mudanças em relação ao representante, a CVM está propondo que os administradores prestem mais informações sobre a carteira dos fundos, dando detalhes, por exemplo, sobre os contratos de imóveis que integram o FII. Como essa transparência pode afetar a indústria?

Alexandre Machado: A meu ver, isso pode comprometer a estratégia e o andamento do FII. A CSHG tem alguns FIIs de gestão ativa. Quando negociamos o aluguel com um locatário e ele sabe que somos um fundo, percebemos que faz a lição de casa: lê os relatórios do FII e busca informações para usar a seu favor. Então, dependendo da informação que se precise abrir, ela contribuirá muito pouco para o entendimento do fundo e pode ser usada, por uma contraparte, para prejudicar o retorno da carteira.

Ricardo Orihuela: Concordo. Com essa divulgação, seu concorrente vai saber até o dia em que acaba o contrato com o locatário e quanto ele terá que oferecer para conseguir ficar com o inquilino.
José Diniz: Hoje, eu posso ter alguns contratos de aluguéis que estão acima do mercado, porque consegui negociar melhor ou porque o locatário não pediu desconto ou solicitou desconto menor. Mas, se essa informação se tornar pública, eu terei, no dia seguinte, meia dúzia não só de proprietários de unidades no próprio edifício, mas também de vizinhos, oferecendo uma coisa melhor para meus inquilinos. Ainda mais em tempos de vacância em alta.

Ricardo Orihuela: É preciso lembrar que os fundos imobiliários concorrem com algumas companhias abertas, como BR Properties e São Carlos, e essas empresas não são obrigadas a informar nada. Essa obrigação criará dois pesos e
duas medidas.

Bruno Luna: Para definir o que pedir de informação, a CVM fez estudos, viu o que os administradores já divulgavam e ouviu muitos analistas. Alguns disseram que essa abertura da carteira era necessária para fazerem um acompanhamento mínimo do fundo. Independentemente disso, eu gostaria de esclarecer que o grande objetivo da CVM com essas mudanças no regime informacional diz respeito à padronização. Se olharmos hoje informações de quatro fundos diferentes, veremos que o nível de informação é absolutamente distinto de um para outro. E não há como desenvolver o mercado sem o mínimo de comparabilidade.

Alexandre Machado: Outro ponto que eu gostaria de entender é por que a CVM está pedindo informações a respeito de todos os investimentos em fundos feitos pelo diretor responsável do FII e pelo representante dos cotistas. Eu tenho dificuldade em entender a utilidade desse dado. Ele pode prejudicar ou gerar o desinteresse de alguns bons cotistas em se tornarem representantes caso não se sintam confortáveis em divulgar
esses conteúdos.

Ricardo Orihuela: Acho natural que se peça a posição no fundo em que sou representante, mas o que a CVM quer é praticamente minha posição patrimonial. Isso vai inibir os cotistas de exercerem essa função.

Bruno Luna: Esse pedido de informação veio de algumas consultas que recebemos. Seu objetivo é entender se os interesses de representante e administrador estão alinhados com os do fundo.

José Diniz: Se existe essa preocupação, acho que a CVM dispõe de outros mecanismos para lidar com ela, sem precisar expor tanto o cotista e o diretor do fundo. Uma solução talvez seja estabelecer um percentual mínimo de investimento que essas pessoas precisariam ter no fundo. Outro item cuja publicação nos preocupa é o laudo de avaliação, que traz dados estratégicos sobre o fundo. Talvez a CVM pudesse limitar o acesso a esse documento ao representante de cotistas. O que me preocupa é deixar esse documento público em meio digital, com livre circulação. Isso pode expor o FII e prejudicar os cotistas.

Ana Utumi: Eu gosto dessa ideia de ter a informação disponível para o cotista, com o administrador declarando que garante que o valor do aluguel negociado se baseia em determinado laudo.
A preocupação maior é que o investidor acabe sendo lesado com um aluguel muito abaixo do praticado no mercado.

Uma confusão bastante comum é o representante dos cotistas achar que é gestor do fundo. Muitos pensam que, uma vez empossados, podem tomar decisões junto com o gestor. E isso não é verdade. Sua função é fiscalizar.

Reinaldo Lacerda: Mas a questão é: por que o gestor alugaria uma laje para uma empresa pela metade do preço que poderia cobrar? Qual é a razão? Primeiro é preciso entender que não é tão simples dizer quanto vale o aluguel de um prédio. No mesmo edifício, eu tenho pessoas que pagam preços diferentes. E por quê? Porque você vai ter uma empresa que precisava mudar e achou o lugar que atendia perfeitamente às suas necessidades e aceitou pagar R$ 140 o metro quadrado. Mas há, no mesmo prédio, pessoas pagando R$ 90, porque eu tinha um andar inteiro vago que precisava alugar. Então, qual é o valor de mercado daquele prédio? Quando eu alugo por R$ 90
eu estou lesando o investidor? Não, estou buscando preencher o prédio na média do melhor aluguel possível.

CAPITAL ABERTO: A CVM também propõe que a remuneração do administrador de FII cujas cotas sejam negociadas em pregão e integrem índice de bolsa corresponda a um percentual do patrimônio líquido do fundo calculado a valor de mercado. Isso no caso de FIIs não destinados exclusivamente a investidores qualificados. Qual é a opinião de vocês sobre essa forma de cálculo?

Bruno Luna: É importante entender o conceito por trás disso. Se você olhar hoje quatro regulamentos de FIIs, perceberá que as fórmulas de remuneração são completamente diferentes, o que não pode continuar. E a melhor forma de alinhar os interesses do administrador com os do fundo é ele ser remunerado conforme o retorno do FII.

Reinaldo Lacerda: Acho correto que a CVM busque padronização. Mas cada produto é um produto. Então, por que não oferecer ao mercado algumas formas de fazer essa padronização?
É preciso levar em conta que o preço da cota no mercado secundário está sujeito a muitas variáveis, que independem do que o administrador está fazendo. Também não podemos esquecer que a taxa de administração é uma remuneração que custeia o trabalho do fundo. Não dá para olhar para ela apenas pensando no alinhamento de interesses. A Anbima pretende propor que a taxa de remuneração do gestor seja padronizada em quatro ou cinco tipos diferentes de cálculo, de acordo com as peculiaridades do FII.

Ricardo Orihuela: Acho o esforço válido, mas me parece dantesco, dada a dificuldade de segmentar os fundos.

Reinaldo Lacerda: A Anbima tem uma proposta de segmentação que vem sendo discutida há mais de ano, inclusive com a CVM. Ela já está pronta e agora estamos entrando nos detalhes operacionais de como colocá-la no ar, em conjunto com a BM&FBovespa. Essa segmentação ajudará no entendimento de vários aspectos, entre os quais o tipo de produto em que o cliente está entrando.

CAPITAL ABERTO: Não faltarão bons elementos para a CVM analisar após a audiência pública. Obrigada a todos pelas contribuições e à autarquia pela abertura e pela transparência em participar do debate.

Ilustração: Beto Nejme /Grau 180.com


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