Aposentadoria sem paz
Fundos de pensão desapontam ao registrar prejuízo e consumir recursos dos beneficiários. Está na hora de eles adotarem o suitability?

, Aposentadoria sem paz, Capital AbertoAos 55 anos, o jornalista Vladimir Goitia se aposentou e começou a complementar sua renda com os recursos acumulados no Oesprev, plano de previdência do Grupo Estado. A tranquilidade que ele esperava ter nessa etapa da vida, entretanto, não chegou. Desde fevereiro de 2013, quando passou a ser assistido pelo plano, ele sente a angústia de ver o patrimônio destinado à sua aposentadoria ser consumido mês a mês. No ano passado, o fundo de previdência fechada da Oesprev, administrado pelo MultiPensions Bradesco, registrou rentabilidade negativa de 3,31%. Goitia sabe que o período foi difícil para várias fundações devido às perdas com os títulos indexados à inflação e ao fraco desempenho da bolsa de valores. E por isso mesmo questiona o fato de seu fundo de pensão não ter alocado os recursos dos participantes já aposentados (chamados de assistidos) em aplicações conservadoras. O dinheiro é gerido em conjunto com o de contribuintes que possuem anos de aporte pela frente e, por essa razão, podem correr mais riscos. Ao contrário de Goitia, eles têm tempo para se recuperar de perdas sem que elas impliquem a redução do valor da aposentadoria. “Se tivessem me dado opção, teria escolhido investir numa carteira conservadora”, diz o jornalista.

O caso ilustra como a adequação dos investimentos ao perfil de risco e às condições financeiras de cada aplicador, conhecida como suitability, está fora do foco dos fundos de pensão. Poucos planos oferecem carteiras divididas por apetite a risco — o que é um ponto frágil do sistema, na visão de alguns profissionais. “Os planos de contribuição definida (CD) deveriam implementar perfis de investimento. Afinal, o dinheiro é do participante. Ele deveria poder escolher”, observa Miguel Leôncio Pereira, advogado e atuário da consultoria ConsultMais. Procurada pela reportagem, a Bradesco Vida e Previdência não concedeu entrevista.

É nos planos do tipo contribuição definida, em que o risco é todo do participante, que o suitability se torna mais importante. Hoje eles representam 37,2% do total, de acordo com a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Os planos de benefício definido (BD), nos quais a patrocinadora pode ter de aportar recursos para saldar déficits, deixaram de ser criados na década de 1990, mas ainda têm parcela de 30,6%, devido ao estoque. Outra modalidade bastante comum, com 32,2% do mercado, é a de contribuição variável (CV), que mescla características de BD e CD. Nela, a avaliação do grau de risco também é crucial, pois uma possível queda na rentabilidade afeta majoritariamente o contribuinte. “Precisamos construir um modelo que ajude o participante a escolher o perfil do fundo, a quantidade de aportes e como irá fazer as retiradas. Caso contrário, os planos de contribuição definida criarão uma geração de mortos de fome aos 80 anos”, alerta Evandro Oliveira, líder da área de aposentadoria da Towers Watson.

Regulador preocupado
A discussão sobre a necessidade de usar o suitability nos fundos de pensão chegou ao Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec). E tem tirado o sossego da Previc, um dos participantes do órgão. Por meio de sua assessoria de comunicação, a superintendência afirmou ser favorável à adequação do produto ou serviço financeiro às necessidades, aos interesses e aos objetivos do contribuinte: “Mesmo não constituindo exigência legal, cremos que no médio e no longo prazos a questão da suitability será parte essencial na venda dos produtos de previdência fechada, em especial nos planos de contribuição definida ou contribuição variável. Ainda que o participante se qualifique cada vez mais para suas decisões, como é nosso objetivo, é lícito imaginar que também caberá ao gestor certificar-se de que a escolha estará adequada ao perfil, ao desejo, ao planejamento e ao apetite por risco do poupador”.

Na previdência aberta, os grandes bancos e seguradoras utilizam o suitability, ainda que sua aplicação não seja obrigatória. Primeiro, porque ele já é necessário para a venda de outros produtos. Segundo, porque nesse tipo de previdência a segregação por perfil é comum — ela começa com a escolha do plano, que pode ser o Gerador de Benefícios Livres (PGBL) ou o Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL). Eles diferem entre si, basicamente, pelo benefício fiscal: no PGBL, é possível abater, na declaração do imposto de renda, as contribuições feitas à previdência privada.

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Se a prática é altamente recomendável, por que as fundações não buscam oferecer carteiras adequadas ao perfil do contribuinte? Na visão de Pereira, da ConsultMais, a resposta está ligada ao custo: em fundos multipatrocinados, o gestor perderia escala ao gerenciar os recursos de forma fragmentada. Hoje, muitos gestores colocam os montantes arrecadados no chamado “carteirão”, que não separa nem o dinheiro dos beneficiários assistidos daquele dos contribuintes. Carolina Wanderley, consultora sênior de previdência da Mercer, pondera que a abertura de diferentes carteiras precisaria acompanhar a criação de um programa de educação previdenciária e financeira, “o que é mais difícil para as pequenas fundações”.

Para Jorge Simino, diretor de investimentos da Fundação Cesp, a existência de carteiras com diferentes perfis pode se tornar um problema, ao transferir a responsabilidade de escolha do investimento para alguém sem especialização. Ele observa que as pessoas costumam definir suas aplicações com base no rendimento passado — se a bolsa foi bem, colocam a maior parcela em renda variável —, o que frequentemente leva a resultados pífios. Até o momento, segundo Simino, a Fundação Cesp não teve demanda para implementar a variedade de portfólios.

Inércia
Aposentado da fundação Eletros, o engenheiro eletricista Arthur Oliveira Caetano já pensou como Goitia, mas hoje vê com ressalvas a implementação do suitability. Ele teme que, se a decisão couber ao participante, as fundações entrarão numa zona de conforto. “Elas podem se eximir da responsabilidade de rentabilizar os recursos da melhor forma possível”, acredita.

Outro problema é que a maioria das pessoas (70%) não quer ou não tem habilidade para escolher a melhor estratégia em seu plano de previdência fechada, conforme diagnosticou uma pesquisa feita pela Towers Watson em vários países. Uma das únicas fundações a ter portfólios com diferentes perfis de investimento, a Previ confirma essa tendência. Apesar do programa de educação financeira e previdenciária em vigor, pouquíssimos funcionários do Banco do Brasil — 7% de 78 mil participantes, no plano CD — se interessaram em alterar seus perfis de investimento desde que a iniciativa foi implementada, em 2009. Os 93% restantes optaram pela carteira padrão, chamada Perfil Previ, que aplica de 30% a 50% em renda variável. “Acredito que a maioria que elegeu essa opção o fez por inércia, e não por escolha”, diz Marcel Barros, diretor de seguridade da Previ.

Além da carteira padrão, a Previ conta com mais três tipos de portfólio: agressivo (40% a 50% de renda variável), moderado (20% a 30%) e conservador (até 10%). É possível migrar de um fundo para outro, mas com um intervalo mínimo de um ano após a última mudança. Para evitar frustrações, uma gerência da fundação se encarrega de entrar em contato com o participante caso ele opte por uma carteira de perfil agressivo a pouco tempo da aposentadoria.

De acordo com Barros, a Previ estuda a possibilidade de implantar carteiras divididas por ciclos de vida, o que seria um refinamento dos perfis. O modelo faz a correspondência da propensão de risco do contribuinte com outras características suas: a capacidade de poupança, a idade de aposentadoria e a necessidade de renda. Nesse formato, as posições em renda variável de cada poupador costumam ser maiores no início do período de contribuição e quando ele é mais jovem. Depois, são reduzidas gradualmente.

Para Oliveira, da Towers Watson, o modelo de ciclo de vida é uma ótima ferramenta de gerenciamento dos recursos para os que não querem se envolver na estratégia de seu fundo de previdência. Está aí uma alternativa para evitar desilusões como a vivida pelo jornalista Vladimir Goitia.

Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com


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