Voando baixo
Especialistas discutem como fomentar ofertas de debêntures de infraestrutura

, Voando baixo, Capital AbertoVoando baixo-2Em 2011, o governo criava a debênture de infraestrutura. O objetivo era aliviar o peso do BNDES como financiador do setor, cuja necessidade de investimento chega a R$ 1 trilhão. Passados três anos, 19 emissões foram feitas até 13 de agosto, conforme as regras do artigo 2 da Lei 12.431. Ele concede isenção de imposto sobre os rendimentos de debêntures de infraestrutura adquiridas por pessoas físicas nacionais e por estrangeiros. O número tímido de ofertas poderia sinalizar um desinteresse dos emissores, não fosse um detalhe: mais de 90 projetos têm autorização ministerial para lançar a debênture e ainda não o fizeram. Para discutir como destravar esse mercado, a CAPITAL ABERTO realizou, em 5 de agosto, a 11ª edição de seu Círculo de Debates. O evento ocorreu dois meses depois de o governo anunciar duas medidas benéficas à disseminação do título: a prorrogação do período de incentivo fiscal, que duraria até 2015, para 2020, e a inclusão de segmentos no rol de projetos elegíveis a emitir a debênture. A seguir, os melhores trechos da conversa.

CAPITAL ABERTO: O que é preciso fazer para estimular as emissões de debêntures de infraestrutura?

Antonio de Oliveira: Um nivelamento ministerial ajudaria. O Ministério dos Transportes, por exemplo, é extremamente ágil e tem uma portaria para aprovação de projetos atualizada. A velocidade lá é enorme. Algumas outras portarias, no entanto, são precárias. No setor de saneamento, estamos tentando fazer uma emissão há mais de três anos. A portaria, além de desatualizada, pertence ao Ministério das Cidades, que tem outras prioridades. Isso sem falar de questões do tipo: “Eu não quero que essa empresa de saneamento de outro estado, governado por outro partido, saia na frente”, e de discussões filosóficas sobre se a debênture de infraestrutura pode financiar o pagamento da outorga [da concessão]. Projetos de rodovias, entretanto, já fizeram isso.

Rodrigo Vieira: A questão é mesmo política. Do ponto de vista jurídico, acredito que a Lei 12.715 [promulgada em setembro de 2012] esclareceu a maioria das dúvidas do mercado sobre a 12.431 [que criou a debênture de infraestrutura]. Mas é difícil ter previsibilidade em operações com participação grande do BNDES e que dependam de aprovação ministerial.

Thiago Jordão: Fomos a Brasília quatro vezes para mostrar ao Ministério dos Transportes o que não havia dado certo em nossa primeira tentativa de emitir debêntures incentivadas, em 2012, com o Barclays. A partir daí, algumas partes da lei foram reescritas, o que permitiu, inclusive, que outras concessionárias ofertassem o título. Depois disso, contratamos o BTG para coordenar a oferta, que acabou acontecendo em julho do ano passado. Captamos pouco mais de R$ 1 bilhão. Conseguimos realizar uma emissão com prazo de 15 anos, em reais, no exterior. Fizemos roadshow em Peru, Chile, Inglaterra e Estados Unidos. A taxa era para ser IPCA mais 5,5% ao ano, porém, quando estávamos em Boston, veio a notícia de que o governo passaria a não cobrar IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] de título público. Nessa mesma época, também ocorreram as manifestações populares, o que afugentou o investidor internacional. Fomos obrigados a aumentar a taxa para IPCA mais 8%.

Marcelo Giufrida: Eu vou ser sincero. Não consigo me empolgar com o modelo dessa debênture. Principalmente quando escuto comentários como: “O governo alterou o IOF de títulos públicos”; “Alguns ministérios permitem o uso da debênture para pagamento da outorga e outros, não”; “Alguns ministérios são mais ágeis e colocam prioridades”. Eu vejo isso como algo socialista, no sentido em que teremos sempre que depender do dedo do rei para eleger os projetos que podem se financiar através das debêntures incentivadas. Uma tragédia para a eficiência da economia. Para mim, um título que precisa de uma romaria em Brasília para ter sucesso é natimorto.

CAPITAL ABERTO: Quanto a isenção fiscal ajuda, na visão de vocês?

Marcelo Giufrida: Para mim, a isenção fiscal é a estaca no peito desse título. Ela só atrai quem paga imposto de renda na fonte, no caso, as pessoas físicas. Para os maiores investidores do País — os fundos de pensão e os de investimento —, o estímulo é inócuo, uma vez que eles já não pagam imposto nas suas aplicações. Só que, enquanto as pessoas físicas têm mais ou menos R$ 200 bilhões investidos em renda fixa, os fundos de pensão, os de investimento e os estrangeiros, tirando dupla contagem, possuem R$ 2 trilhões. Fora isso, ao focar o incentivo na pessoa física, trazemos para esse mercado um investidor menos preparado.

Antonio de Oliveira: O estímulo acaba distorcendo os parâmetros de precificação no mercado primário. Como a debênture de infraestrutura dá isenção fiscal, e o título público não, o emissor vê a oportunidade de ter uma precificação igual à do título do governo, mas isso o torna atrativo somente para a pessoa física. Concordo que, considerando a necessidade de investimento em infraestrutura de R$ 1 trilhão, depender da pessoa física é complicado. Ela não tem, em muitos casos, a capacidade de análise que os gestores têm.

Voando baixo-1Fausto Silva Filho: Por isso, fomentar a criação de fundos de debêntures de infraestrutura é de extrema importância [o cotista desse tipo de veículo também usufrui a isenção fiscal]. Nós tivemos uma experiência muito difícil na CVM para aprovar o nosso fundo, por causa do receio quanto à liquidez dos títulos. E hoje, olhando os números da Anbima e de outras fontes, vemos que as debêntures incentivadas superam as tradicionais em negociabilidade no mercado secundário, tanto em dias de negociação quanto em volume financeiro transacionado. O papel da Rodovias do Tietê, por exemplo, tem uma liquidez comparável à de um título público. A posição dos fundos nesses papéis precisa crescer para ajudar o mercado a dar um passo maior.

Antonio de Oliveira: Além do mais, a pessoa física, quando compra um papel incentivado diretamente, muitas vezes acredita estar adquirindo algo parecido com um CDB; não é verdade. Na maioria dos casos, é culpa do gerente de banco, que faz uma comparação ingrata ao dizer que o papel paga o equivalente a, por exemplo, 120% do CDI [a taxa de remuneração da debênture incentivada deve ser vinculada a índice de preço]. Esse tipo de informação não é monitorado por ninguém.

Carolina Lacerda: Por isso, melhorar a capacitação dos gerentes é uma das preocupações da Anbima. Mas, obviamente, isso leva tempo. Estamos trabalhando numa série de certificações e pedindo aos bancos que preparem suas equipes. Também temos buscado educar o investidor. Fizemos alguns convênios com faculdades para incluírem aulas de educação financeira nos seus currículos, e não só nos cursos de administração e economia.

CAPITAL ABERTO: Qual seria, então, a alternativa ao estímulo fiscal ao investidor pessoa física?

Marcelo Giufrida: Minha sugestão é focar o emissor. As letras financeiras, por exemplo, oferecem aos bancos uma série de vantagens em relação ao CDB, como a isenção do FGC, por exemplo, que barateia o custo de emissão. Com essa economia, ele pode oferecer um retorno melhor para o investidor em captações mais longas.

Antonio de Oliveira: Toda vez que nos reunimos com o emissor, criamos alguma forma de diminuir custos. O problema é que isso pode acabar prejudicando a qualidade do trabalho. Porém, se houver mais clareza, transparência e padronização no processo, é possível uma otimização. Não raro discutimos com o advogado da primeira série as cláusulas da oferta, e o advogado da segunda quer mudá-las ou impor o formato dele. Precisamos desenvolver um documento padrão para as emissões.

Rodrigo Vieira: É verdade. Um exemplo de como a padronização pode ajudar é o contrato global de derivativos, que fez um bem enorme para o mercado.

Antonio de Oliveira: Cabe ressaltar que projetos menores não aguentam os custos de uma companhia aberta. Por isso, a Anbima vem discutindo a possibilidade de criar algum tipo de sociedade por ações aberta com obrigações menores e, portanto, mais barata. As fechadas podem emitir o título, no entanto têm que vendê-lo conforme as regras da Instrução 476 [somente para um grupo de investidores qualificados]. E, pela 476 atual, esses papéis podem ser comprados por no máximo 20 investidores.

CAPITAL ABERTO:Além da padronização dos contratos e da redução de custos para o emissor, o que mais poderia alavancar as emissões?

“A isenção fiscal é a estaca no peito da debênture de infraestrutura. Ela só atrai quem paga imposto de renda na fonte, no caso, as pessoas físicas. Para os maiores investidores do País — os fundos de pensão e os de investimento —, o estímulo é inócuo. Ao focarmos o incentivo na pessoa física, atraímos um investidor menos preparado”

Antonio de Oliveira: Quebrar a desconfiança dos atores do mercado é crucial. O próprio BNDES, sabendo que o segmento ainda está em evolução, criou um programa para comprar parte desses papéis. E por quê? Porque há a desconfiança de que não vai dar certo. Um dos sintomas dela é o fato de vivermos num país em que o prazo máximo de financiamento é muito inferior ao praticado nos vizinhos, por exemplo. Tanto é que, quando vamos vender debênture incentivada, fazemos roadshow no Peru e no Chile. Então, a pergunta é: o que faria o investidor brasileiro comprar papéis de 30 anos?

Fausto Silva Filho: Primeiro, as condições macroeconômicas têm que nos permitir fazer isso. Também precisamos de um arcabouço jurídico com regras claras. A forma como o governo atua — basta lembrar o que ocorreu no setor elétrico — não nos dá essa tranquilidade.

Rodrigo Vieira: E em que medida o risco de execução do projeto dificulta as emissões?

Thiago Jordão: Para se ter uma ideia, do R$ 1 bilhão que captamos, uns R$ 100 milhões se destinam a eventuais problemas no dia a dia da execução, como uma desapropriação que não sai ou uma licença que não é liberada. Esse risco governamental precisa ser incluído no projeto e na modelagem da debênture.

Antonio de Oliveira: A emissão da usina de Santo Antônio foi emblemática nesse sentido. Em quatro meses, vivenciamos tudo o que poderia dar errado. O rio Madeira registrou a maior cheia da história e inundou a capital de Rondônia, [Porto Velho]; a culpa, entretanto, foi imputada à hidroelétrica. Para piorar, uma usina com nome parecido teve uma barragem com problema de vazamento. Imagina a situação. Apesar de tudo isso, e de estarmos ofertando títulos de uma usina que não estava 100% operacional, conseguimos posicionar a emissão muito bem no mercado. Ela contou com uma grande adesão de pessoas físicas e foi ofertada com taxa abaixo da esperada. Então, essa história de “Eu faço um empréstimo ponte e, quando o projeto terminar, lanço o papel” precisa mudar. Nós vamos ter que mitigar esses riscos.

CAPITAL ABERTO: Para finalizar, gostaríamos que comentassem como as perspectivas para as eleições estão influenciando o apetite pelas debêntures de infraestrutura.

Fausto Silva Filho: A proximidade das eleições deixa todo mundo um pouco mais retraído. Isso vale tanto para investidores como para emissores. A vontade de investir hoje é baixa no País. Estão todos buscando entender qual será o nosso futuro. Além disso, não se sabe se haverá uma grande mudança. A postura do governo, a meu ver, não ajuda o financiamento de longo prazo privado no Brasil. Não há uma agenda de reformas que corrobore esse tipo de investimento.

Thiago Jordão: Os políticos que ganharem as eleições, independentemente de quem sejam, precisarão ter uma visão de longo prazo. Atualmente, ela é de no máximo oito anos, já considerando a reeleição. E, para se manter no governo, eles adotam atitudes em certo ponto populistas. Nada contra o Geraldo Alckmin, mas o que ele fez com os pedágios, ao optar por não dar o reajuste no ano passado e agora propor um aumento diferente [abaixo da inflação], foi uma atitude intervencionista. Rompe com todos os contratos de concessão de rodovias do estado de São Paulo. Isso afasta o investidor.

Fausto Silva Filho: Só que não dá para continuar apenas criticando o governo. Precisamos sentar com os governantes e dizer o que queremos. Eu nunca vi Brasília com uma capacidade tão grande de atender o mercado de capitais. Agora, o que temos de pensar é: como quebramos essa barreira do curto prazo? Certamente mais previsibilidade pode ajudar. Enquanto não fortalecermos as nossas instituições e os marcos regulatórios, o investidor vai continuar preferindo comprar letra financeira, um instrumento de dois anos emitido, em sua maioria, por bancos de primeira linha.

Carolina Lacerda: Concordo. Muitos avanços foram feitos. Independentemente de quem ganhe as eleições, vamos continuar com os nossos pleitos para que o mercado de capitais possa financiar cada vez mais projetos de infraestrutura.

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com


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