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Uma década de PPPs
Ainda bastante dependentes do financiamento estatal, parcerias público-privadas começam a usar o mercado de capitais

uma-decada-de-pppsEm dezembro, a Lei 11.079, que instituiu a parceria público-privada (PPP), completa dez anos. Criada para tirar do papel as obras de infraestrutura brasileiras, ela inaugurou uma nova forma de se desenvolver projetos. Nesse modelo, o ente privado se encarrega de planejar, financiar, executar e operar determinada obra ou serviço para a administração pública, em troca de receber dela um pagamento periódico, vinculado a seu desempenho. Até o início de setembro, segundo levantamento do portal PPP Brasil, 65 parcerias foram assinadas: 37 pelos estados, 27 pelos municípios e 1 pela União. Mais da metade (55%) foi celebrada nos últimos três anos. Cerca de um quart mento está sendo feito pelos bancos públicos, como BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], Banco do Nordeste ou Caixa”, afirma Fernando Albino, sócio do Albino Advogados, que contribuiu para a elaboração do projeto de lei sobre as PPPs, aprovado em 2004.

O motivo é simples: com a oferta de crédito a taxas extremamente atrativas, os bancos públicos minam o espaço do financiamento privado. Esse cálculo matemático levou a CAB Ambiental a descartar o mercado de capitais na captação de recursos para as PPPs de que participa. A companhia de saneamento, que já cogitou abrir o capital em 2011 no Bovespa Mais, presta dois serviços ao poder público. Uma parceria foi acordada com a Sabesp, em 2009, e a outra com a concessionária alagoana de água, a Casal, em 2012. “Poderíamos ter buscado recursos no mercado de capitais para executar as obras, mas seria mais caro”, confessa Galvão. Na associação estabelecida com a Sabesp, o financiador foi o BNDES; na da Casal, a Caixa Econômica Federal.

A concessionária alagoana precisava de dinheiro para engendrar um sistema de abastecimento de água na região de Arapiraca, a 140 km de Maceió. Sua situação financeira, contudo — passivo superior a R$ 500 milhões, além de patrimônio líquido negativo —, a impedia de contratar empréstimo num banco estatal. A alternativa foi firmar uma PPP de 30 anos com a CAB, que prevê R$ 143 milhões em investimentos.

O sistema de água, entregue em julho, permitirá à concessionária atender novos clientes comerciais. Entre eles, uma mineradora, disposta a investir R$ 1 bilhão na exploração de cobre, e um shopping center. “O dinheiro que receberemos da mineradora pelo fornecimento de água representa um quarto do que devemos pagar de contraprestação para o contrato de PPP. Teremos lucro e ainda recursos para financiar a parceria, com um sistema que fornecerá 1.500 metros cúbicos por hora de água”, comemora o presidente da Casal, Álvaro Menezes.

Primeiros passos
Embora o financiamento particular ainda seja escasso nas PPPs, algumas devem começar a usar títulos do mercado de capitais — por incentivo das próprias instituições do governo. A Caixa Econômica Federal está oferecendo uma linha de crédito especial, no valor de R$ 600 milhões, para projetos urbanísticos e de saneamento que emitam certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). “Essas alternativas são importantes, porque em algum momento o BNDES, principal financiador da infraestrutura nacional, não terá recursos para todos os investimentos”, projeta Byung Soo Hong, sócio do MHM Advogados. Segundo ele, algumas prefeituras estariam estudando opções de custeio fora do sistema bancário.

Uma delas é a de Belo Horizonte. A prefeitura local cogitou usar fluxo de recebíveis imobiliários, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), para financiar obras em PPP no município. Mas, para não ficar com a receita atrelada a um projeto por todo o prazo da parceria, acabou optando por usar recursos vinculados ao orçamento geral do município. “Algumas cidades já começam a estudar a possibilidade de securitizar o fluxo de IPTU [em imóveis] de PPPs de saúde, com a emissão de títulos com prazo de dez anos, para financiar a contraprestação ao ente privado”, conta Rosane Meira, sócia do MHM Advogados.

A securitização de recebíveis também tem sido adotada para financiar PPPs no Peru. A diferença é que a emissão parte do setor privado. Conforme a execução do projeto caminha, o empreendedor recebe um certificado de cumprimento das etapas do cronograma; o Estado não faz um desembolso, porém reconhece possuir uma dívida a pagar. Com base nesse direito creditório, a companhia pode emitir um papel lastreado no reconhecimento da dívida para financiar as outras etapas do projeto, explica Tatiana Cymbalista, sócia do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, escritório especializado no setor de infraestrutura. “No Brasil, a debênture incentivada de infraestrutura também poderia ser uma opção de financiamento das PPPs”, comenta. Até agora, no entanto, nenhuma parceria público-privada foi custeada por esse título, que oferece isenção de Imposto de Renda (IR) para os investidores estrangeiro e pessoa física nacional.

Quando se firma uma PPP, a concessionária do serviço cria uma sociedade de propósito específico (SPE), que pode ser sociedade anônima ou empresa limitada. Mesmo a segunda tende a adotar regras da Comissão de Valores Mobiliá-
rios (CVM) de garantia de direitos aos minoritários e transparência dos resultados. Um exemplo é a PPP da rodovia BR-093, instituída entre o governo da Bahia e as empreiteiras Invepar e Odebrecht Transporte. De acordo com Tatiana, o contrato da obra exige, numa cláusula, que as informações prestadas pela concessionária sigam as normas da CVM para empresas de capital aberto. Alguns convênios vão além: já requerem da SPE ser uma companhia aberta e, em alguns casos, ter valores mobiliários negociados no mercado. Esse tipo de cláusula existe, por exemplo, no documento que norteia a PPP da Rodovias Tamoios.

Avanço moderado
Ainda que a legislação tenha sido estabelecida em 2004, apenas nos últimos cinco anos os contratos ganharam velocidade, tanto nos Estados como nos municípios. Para se ter uma ideia, no último ano, o número de PPPs na área da saúde aumentou quase 150%. As parcerias público-privadas também evoluíram no setor de saneamento, que registra mais de R$ 10 bilhões em negócios fechados recentemente ou em vias de serem selados.

Em fevereiro, a cidade de Paraty, no litoral fluminense, pactuou um convênio com a concessionária Água do Brasil, que deve gastar R$ 85 milhões nos primeiros quatro anos e R$ 145 milhões em três décadas. No triênio inicial da parceria, 100% da população que está na área da concessão receberá água tratada (inclusive em alta temporada) e, em cinco anos, 82% do município terá esgoto coletado e tratado. A modelagem é inédita no Brasil. Além da contrapartida da prefeitura, a PPP conta com recursos do governo estadual, por meio do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano, e do governo federal, via Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras voltada à operação e à construção de usinas termonucleares. “No início, havia descrença e desconfiança em relação às parcerias. Essas percepções foram sendo vencidas, ao mesmo tempo em que estados e municípios aprenderam mais com a legislação”, observa Albino.

Quando se firma uma PPP, a concessionária do serviço cria uma sociedade de propósito específico (SPE), que pode ser sociedade anônima ou empresa limitada. Mesmo a segunda tende a adotar regras da CVM de garantia de direitos aos minoritários e transparência dos resultados

A expansão dos procedimentos de manifestação de interesse (PMIs) também ajudou a fomentar o progresso das PPPs. Por meio desse instrumento, o setor público obtém estudos técnicos e de viabilidade econômica sobre projetos de infraestrutura em sua agenda. A realização da pesquisa fica a cargo das empresas interessadas em disputar contratos de concessão. Devido à falta de corpo técnico em municípios e Estados para realizar esse tipo de análise, o PMI se tornou uma importante ferramenta para fazer as parcerias público-privadas saírem do papel. Desde 2011, quando os estados começaram a regular a legislação do PMI, mais de cem procedimentos de manifestação de interesse foram feitos, segundo o coordenador do portal PPP Brasil, Bruno Ramos Pereira. Entre 2004 e 2010 ocorreram menos de 20.
“O apetite por risco do agente privado cresceu a partir de 2011, com as indicações de mais projetos de infraestrutura no Brasil. Além disso, o investidor viu que integrar uma PPP significa estar presente num empreendimento de maior valor agregado, em que se participa de todo o ciclo de vida dele.”

Na visão de Rosane, do MHM, a regulamentação dos ramos de atividade ligados à infraestrutura pode ser benéfica ao desenvolvimento das PPPs. O setor de saneamento, que concentra um quarto das parcerias público-privadas, não tem uma agência reguladora federal, e alguns Estados também não contam com entidades para normatizar a atividade. “A presença de uma agência reguladora dá mais independência às decisões e confere maior segurança regulatória. No setor de saneamento, porém, não há indicação de que possa haver avanços em breve”, constata.

Albino, por sua vez, defende mudanças na tributação dos projetos erguidos pelas PPPs. Hoje, numa parceria que contemple a construção e a gestão de um hospital, por exemplo, a concessionária deve pagar PIS, Cofins e IR na etapa de construção. Um projeto de lei em tramitação no Congresso há três anos pretende isentar as PPPs de áreas sociais, como saúde e educação, dessas tarifas. “O Estado, que paga a contraprestação do serviço, acaba sendo onerado por essa estrutura, já que o agente privado repassa o custo”, diz o advogado.

Considerando que as intenções de investimentos em infraestrutura superam R$ 1 trilhão até 2018 (de acordo com dados da Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração), muitas parcerias público-privadas ainda devem ser celebradas. Com o desejo do BNDES de aplicar menos dinheiro de seus cofres nessas obras, o mercado de capitais ganha uma chance de entrar em cena.

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Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com


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