A Petrobras protagoniza cenas de novela policial. A cada dia, novas evidências de corrupção envolvendo o alto escalão da companhia e seu acionista majoritário — o governo federal — destroem a credibilidade da petroleira e fazem ruir seu valor de mercado. Desde março, quando a Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal, até 17 de dezembro, as ações desvalorizaram 24,39%, atingindo o menor valor em dez anos. A precificação da companhia é ainda mais prejudicada pela ausência dos números completos do terceiro trimestre: até a segunda semana de dezembro, a divulgação do balanço havia sido adiada duas vezes. E, ainda que os resultados venham a público, eles prescindirão de um componente fundamental para o investidor: o respaldo dos auditores independentes. A PwC se negou a dar seu parecer, diante das denúncias de fraude e lavagem de dinheiro. Com esse tsunami de notícias ruins afogando a Petrobras, analisar ou fazer previsões sobre o futuro da petroleira significa adentrar território obscuro. A falta de luz é tamanha que poucos se arriscam a cravar a profundidade do fundo.
Não são apenas as denúncias de ilicitudes que encobrem o horizonte da companhia. Este ano promete ser difícil para as petroleiras como um todo. O preço da commodity no mercado internacional caiu praticamente pela metade no segundo semestre de 2014; a perspectiva é o valor continuar baixo, tendo em vista que não haverá redução de oferta. A queda favorece a companhia como importadora, mas como exportadora mina seus resultados. Essa situação deve prejudicar a saúde financeira da Petrobras, já debilitada pela dificuldade de repassar custos ao preço dos combustíveis e pelo endividamento cada vez maior. De acordo com o último indicador de nível de alavancagem disponível, referente ao segundo trimestre de 2014, a empresa precisaria de 3,94 anos para levantar o dinheiro necessário ao pagamento de sua dívida.
Uma versão condensada dos números entre setembro e novembro mostra o tamanho da encrenca da estatal: sua dívida bruta totalizou R$ 331,7 bilhões no período, aumento de 32,2% na comparação com o valor do terceiro trimestre de 2013, à época em R$ 250,9 bilhões. Como 80% dos débitos são em moeda estrangeira, a recente alta do dólar deve inflar esse valor. A preocupação com o nível de alavancagem aumenta diante do plano de investimentos da Petrobras até 2018, orçado em R$ 220 bilhões. Com a alavancagem nas alturas e envolta num escândalo de magnitude internacional, a companhia tem chances exíguas de obter dinheiro novo no mercado.
No meio desse turbilhão, a petroleira ainda encara o escrutínio da Securities and Exchange Commission (SEC). Ela está sujeita à supervisão do regulador americano por negociar American depositary receipts na Bolsa de Valores de Nova York. A SEC investiga se a companhia prejudicou os detentores desses recibos e se infringiu a lei anticorrupção do país. Independentemente das conclusões, investidores americanos já entraram com uma ação coletiva de indenização na Justiça local, a primeira do tipo contra uma empresa brasileira. Se a Petrobras perder a causa, terá que pagar uma conta estimada em bilhões de dólares.
Reação
Embora as pancadas venham de todo os lados, a Petrobras não jogou a toalha. Prevendo que as portas para captar recursos estarão fechadas, informou ter tomado medidas para livrar-se de buscar financiamento em 2015. Entre elas, o recebimento antecipado de créditos, a redução de custos operacionais e a revisão de sua estratégia de preços. A obtenção de fluxo de caixa livre positivo no próximo ano, contudo, depende de duas condições: taxa de câmbio no período em torno de R$ 2,60 e preço do barril do petróleo a US$ 70. Mas dificilmente a empresa contará com essa combinação, segundo José Márcio Camargo, professor de economia da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos — atualmente, o preço da commodity oscila em torno dos US$ 60 por barril. “A única solução para não tomar crédito seria reduzir o plano de investimentos”, avalia.
A contenção dos investimentos, aliás, é uma ideia amplamente defendida no mercado. “Os volumes são muito elevados para as condições atuais”, observa o consultor John Forman, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Para Raphael Juan, gestor da BBT Asset, a Petrobras deveria concentrar esforços na exploração dos poços de maior produtividade, deixando de lado aqueles que representam custos altos.
As últimas medidas adotadas pela estatal para resgatar a confiança do mercado foram a contratação de um escritório de advocacia para investigar as supostas fraudes desvendadas pela Operação Lava Jato e a criação de uma diretoria de governança. Nenhuma delas, no entanto, parece ter sido suficiente para convencer os investidores
Além de mudanças na condução dos investimentos, o economista-chefe da TOV Corretora, Pedro Paulo Silveira, considera fundamental a empresa substituir sua gestão, para restaurar a credibilidade. “É difícil pensar em qualquer outra saída”, diz. “O mercado deseja uma mudança no corpo diretivo da empresa”, faz coro Juan, da BBT Asset. O anseio aumenta com a revelação de que a atual diretoria — incluindo a presidente da estatal, Graça Foster — tinha ciência de uma série de irregularidades em contratos da empresa muito antes do início da Operação Lava Jato. Embora o governo não tenha sinalizado que vai mexer no comando da Petrobras, há um burburinho no mercado que Graça Foster poderá ser substituída por Rodolfo Landim, ex-presidente da BR Distribuidora. As últimas medidas adotadas pela empresa para resgatar a confiança do mercado foram a contratação de um escritório de advocacia para investigar as supostas fraudes desvendadas pela Operação Lava Jato e a criação de uma diretoria de governança. Nenhuma delas, no entanto, parece ter sido suficiente para convencer os investidores.
Pechincha?
Desde que a divulgação do balanço do terceiro trimestre de 2014 foi adiada pela primeira vez, em 12 de dezembro, os papéis preferenciais da companhia intensificaram o movimento de queda e passaram à casa de um dígito. Em 17 de dezembro, a ação valia R$ 9,66. Parece uma pechincha para uma empresa do porte da Petrobras e com tamanho potencial de produção, mas não o suficiente para analistas cravarem recomendações de compra. “Apesar de a cotação do papel ter caído bastante, as investigações estão em curso e não sabemos qual será o desfecho. Novos capítulos ainda vão surgir”, pondera William Araújo, executivo de análise da Um Investimentos.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), acredita que, embora a companhia seja capaz de dar a volta por cima, ela não deve acordar do pesadelo tão cedo. “O ano de 2015 vai ser de reconstrução. Respirar de novo, só de 2016 em diante”, prevê. Trocar a diretoria da petroleira acalmaria os ânimos por um momento, mas não poderia ser uma medida isolada, em sua opinião. O mercado espera também uma postura menos intervencionista da União na gerência da Petrobras. “É preciso mudar a governança do conselho; mostrar que a empresa não será mais usada para fazer política econômica e industrial”, ressalta.
Por mais que a situação seja complicada, a crise atual traz um alento aos investidores. Muitos acreditam que, ao expor irregularidades dentro da estatal, as investigações vão ajudar a “refundar” a Petrobras, nas palavras de Pires. A nova empresa, além de ter investimentos mais focados, deverá passar por uma limpeza ética. “Talvez a Petrobras vire a petroleira mais arrumada do mundo depois do que aconteceu”, opina James Gulbrandsen, sócio da NCH Capital, gestora com sede em Nova York, especializada em mercados emergentes. A empresa já teve participação na Petrobras, mas no início do ano passado zerou sua posição.
Passada a tempestade, o gestor avalia que a retomada de credibilidade da empresa gerará “uma fênix saindo das cinzas”. “A Petrobras vai recuperar a liderança entre as petroleiras de países de mercados emergentes”, acredita Gulbrandsen. Não custa nada torcer para que suas previsões estejam certas .
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