Sopro de esperança
Nova equipe econômica inspira um ano ligeiramente melhor para o mercado de capitais

sopro-de-esperancaPara um aluno com o boletim repleto de notas vermelhas, o melhor que pode acontecer é passar de ano com recuperação. Situação semelhante atravessa a economia brasileira, que se comporta como um estudante na corda bamba. Se conseguir a aprovação, será com desempenho medíocre: inflação no topo da meta, crescimento próximo de zero, real depreciado e juros elevados. Para este ano, profissionais do mercado de capitais não enxergam uma transformação de cenário significativa. Mas teremos o que comemorar se, ao menos, obtivermos duas vitórias: manutenção do grau de investimento e interrupção do processo de corrosão das contas públicas. O que vier além disso será lucro.

O naco de otimismo vem do anúncio da nova equipe econômica. Em novembro, a presidente Dilma Rousseff indicou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e Nelson Barbosa para o Planejamento. Alexandre Tombini deve permanecer como presidente do Banco Central (BC). O trio é experiente e já sinalizou que está disposto a tomar medidas difíceis. O equilíbrio das contas públicas, calcanhar de aquiles do atual governo, depende do aumento de impostos e corte custos. Só assim será possível cumprir o superávit primário de 1,2% do PIB, embora esse número seja considerado insuficiente por alguns economistas para estabilizar a dívida pública em relação à soma dos valores de bens e serviços produzidos por aqui. Se essa equipe for bem-sucedida e conseguir resgatar a credibilidade do mercado, há espaço para a recuperação do valor dos ativos brasileiros. “Joaquim Levy nos deu a oportunidade de acreditar na manutenção do grau de investimento”, afirma Candido Bracher, presidente do Itaú BBA.

A S&P rebaixou, em março, a nota de crédito do Brasil de BBB para BBB-, o último nível considerado como grau de investimento, devido à degeneração das contas públicas. Desde então, tem havido o receio de que a gastança descomedida do governo prossiga, fazendo a classificação brasileira descer mais um degrau. “Nessa situação, o mercado vai se fechar por algum tempo. Mas isso não deve acontecer se o governo fizer seu trabalho de ajuste”, observa Bruno Saraiva, responsável pela área de equity capital markets do Bank of America Merrill Lynch (Bofa).

sopro-de-esperanca-t1A desorientação sobre o que esperar do futuro tem levado o mercado a comparar o ano de 2015 ao de 2003, quando o presidente Lula tomou posse. Analistas enfatizam, no entanto, que há diferenças importantes entre os dois momentos. A começar pelos ventos externos desfavoráveis. Se em 2003 a expansão chinesa impulsionava o preço das matérias-primas, agora ele está em queda e os juros americanos devem subir (a maioria projeta a elevação para o segundo semestre). Com a retomada econômica dos Estados Unidos e a atividade persistentemente fraca na Europa e no Japão, o dólar tende a continuar se fortalecendo em relação às outras moedas. No Brasil, a baixa do real promete alimentar as pressões inflacionárias e maltratar as empresas endividadas em dólar. O lado positivo é tornar as exportações mais competitivas.

Esse cenário, por si só, já seria um repelente de investimentos. E a situação piora com a desconfiança de que a nova equipe econômica não terá carta branca do Planalto para organizar as contas públicas como pretende. Tudo isso joga contra a perspectiva de melhora da economia. Para o PIB de 2015, o Itaú Unibanco pressupõe alta mirrada de 0,8%. “Acreditamos que o governo fará ajustes mínimos para evitar o downgrade. Não visualizamos reformas que façam o País mudar de patamar de crescimento”, comenta Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú. Algo que pode ajudar o Brasil é a suspensão da queda da taxa de investimento, caso o governo seja exitoso no ajuste fiscal. Em 2014, a formação bruta de capital fixo, indicador que mede os investimentos em infraestrutura, maquinário e construções, entre outros, declinou 7,2%. Para 2015, a expectativa é que o indicador fique estagnado, o que deve dar um alívio. Outro respiro poderá vir das exportações, previstas para aumentar 3%, puxadas pela safra de soja. Se as reformas derem certo, a economia pode evoluir 1,8% em 2016, 2% em 2017 e o mesmo em 2018, acredita o economista.

Pé atrás
Visão bem menos positiva tem o BNP Paribas, que entrevê um ano de estagnação. O banco trabalha com a possibilidade de decréscimo da economia se houver racionamento energético. “Essa situação tirou de 1 a 2 pontos percentuais de crescimento do PIB em 2001”, recorda Marcelo Carvalho, economista-chefe da instituição. Há ainda outra incerteza: o impacto da Operação Lava Jato sobre os investimentos da Petrobras, difícil de quantificar. Dada a importância da estatal para a economia e a necessidade de desenvolver o pré-sal, eventual declínio dos investimentos teria reação em cadeia para os fornecedores da petroleira. As denúncias de corrupção também ampliam a desconfiança, afetando a disposição dos empresários em fazer novos investimentos.

O pessimismo é compartilhado pela casa de análise independente Empiricus Research. “Na melhor das hipóteses, o PIB ficará zerado”, estima o analista Rodolfo Amstalden. Ele espera que 2015 traga mais do mesmo. A inflação continuará pressionada, com o agravante de que o cenário externo está mais áspero. A China, nosso principal parceiro comercial, deve ser impactada não só pela redução de seu ritmo de desenvolvimento, como por abacaxis originados por empréstimos não computados no balanço dos bancos — fenômeno conhecido por “shadow banking”. A Rússia, por sua vez, é considerada potencial fonte de problemas de solvência, devido ao embargo comercial imposto por Estados Unidos e União Europeia e à queda do preço do petróleo. Essas atribulações podem contagiar outros emergentes.

sopro-de-esperanca-t2Com a economia em tépida expansão, o real se deprecia em relação ao dólar, o que encarece produtos importados e insumos e pressiona a inflação. Diante desse cenário, o governo não terá alternativa além de subir a taxa de juros, notícia péssima para o mercado de capitais, que se torna menos competitivo. O Itaú Unibanco projeta a meta Selic em 12,5% no fim de 2015. O BNP Paribas, 13%. Já os prognósticos para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) são, respectivamente, de 6,5% e 7%.

Goldfajn ressalta que o IPCA profetizado é o mesmo de 2014, mas a composição dos itens é bem diferente: agora são os preços administrados e aqueles que refletem a desvalorização do real os responsáveis pela inflação — e não os itens de serviços. Para o dólar, o Itaú conjectura R$ 2,80 no fim do ano, enquanto o BNP presume uma taxa mais próxima de R$ 3 que de R$ 2,60 (considerado o piso).

Alegria de alguns, tristeza de outros
Com os juros na casa dos dois dígitos, o horizonte tende a continuar turvo para a renda variável. O ano passado foi o pior em ofertas iniciais de ações (IPOs) desde 2004, quando a bolsa ressurgiu como alternativa de captação de recursos. “O mercado de renda variável derreteu”, constata Jean-Marc Etlin, diretor do Itaú BBA. Sua expectativa é que a temporada atual registre mais emissões que a de 2014. Devido ao baixo crescimento econômico, contudo, ele não vê espaço para otimismo.

Alguns IPOs previstos para este ano já são conhecidos do mercado. Entre as companhias aguardadas estão algumas que cancelaram ofertas em 2014 devido ao ambiente econômico adverso, como Azul e JBS Foods. Há também a possibilidade de que a locadora de veículos Ouro Verde, a Par Corretora de Seguros e a locadora de torres de telefonia celular T4U, cujos processos de oferta estão em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), estreiem na bolsa. “Há um pipeline relevante para este ano”, acredita Saraiva, do Bofa.

A janela de oportunidades para emissões, entretanto, deve ser estreita, devido à mudança dos juros americanos. No fim de outubro, o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, anunciou que não comprará mais ativos para estimular a economia. Relatou ainda que, embora a intenção seja manter as taxas de juros próximas de zero, elas podem subir “antes do esperado” — na estimativa do mercado, isso deve ocorrer no segundo semestre. Daí Saraiva prever que as condições para ofertar ações são mais propícias até junho. Boa parte das emissões, afinal, é absorvida por estrangeiros.

sopro-de-esperanca-t3O mercado também deve continuar seletivo. Na opinião do executivo do Bofa, só terão vez ofertas superiores a R$ 400 milhões, de médias ou grandes empresas. Outra tendência deve ser o uso da Instrução 476, norma que regula as emissões públicas feitas com esforços restritos de venda, em ofertas de companhias já listadas (follow-nos). “As operações via 476 têm a vantagem de ser rápidas e expor pouco a companhia às oscilações de mercado”, avalia Saraiva.

Para o mercado renda fixa, os prognósticos são mais otimistas. Na ausência de condições propícias para ofertar ações, esses títulos têm suprido as necessidades de financiamento das companhias. “Muitas empresas que lançaram debêntures pensando em fazer ofertas de ações no futuro vão continuar financiando seus passivos com renda fixa”, afirma Samuel Oliveira, diretor do Banco Indusval & Partners (BI&P). Devem acontecer principalmente emissões voltadas ao refinanciamento de dívidas que vencem no curto prazo e à arrecadação de capital de giro.

Pedro Bianchi, diretor do Bofa, acredita que os títulos mais propensos a ganhar espaço este ano são os que tiveram forte demanda em 2014: as letras de crédito imobiliário (LCIs), as letras de crédito do agronegócio (LCAs) e os certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). Todos eles têm algo em comum: o aumento da procura pela pessoa física, interessada na isenção do imposto de renda (IR) sobre os rendimentos. Segundo Oliveira, a demanda por crédito privado esteve tão aquecida que, no fim do ano passado, faltou lastro para emissões de LCAs e certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs).

O sucesso das letras, porém, tem seus efeitos colaterais. “Vemos um benefício tangível na concessão de incentivo fiscal às debêntures do setor de infraestrutura, mas não faz sentido aplicar o mesmo para LCIs e LCAs”, considera José Olympio Pereira, presidente do Credit Suisse no Brasil. Ao oferecer liquidez diária e proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), além da isenção de IR, as LCIs e LCAs emitidas por bancos acabam empoçando recursos que poderiam ser destinados a outras opções de investimento, como os fundos. “Vejo com preocupação o crescimento da oferta de produtos concorrentes, mas acredito que o potencial de canibalização deles sobre a indústria de fundos já se reduziu”, afirma Marcelo Giufrida, sócio da Garde Asset Management. Os principais compradores das letras são os investidores de private banking, que representam 15% da indústria de fundos, e o chamado varejo seletivo, com participação de 8%.

Giufrida enxerga neste ano um cenário bom para os fundos multimercados, que já começam a se recuperar do mau desempenho de 2014, e para a renda fixa. Os fundos de ações, mais uma vez, devem atravessar um período complicado. “O ano não está propício para mercados de risco”, sentencia. Até que o Brasil pare de semear inflação e colher juros, essa avaliação não deve mudar.

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Ilustração: Grau180.com


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