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Sem intermediários
Plataformas on-line permitem compra de ações e empréstimos, deixando bancos e corretoras de escanteio

sem-intermediariosHá menos de duas décadas, organizar um feriado fora de casa significava recorrer a um agente de viagens para comprar o bilhete aéreo e reservar o hotel. Hoje, basta uma pesquisa on-line para escolher os melhores preços e programar tudo em poucos minutos, sem precisar pagar um profissional para isso. Assim como ocorreu no setor de turismo, o avanço da tecnologia vem permitindo o fim da intermediação em outras áreas: o fenômeno pode ser visto nos setores imobiliário e fonográfico e, até mesmo, no mercado de capitais. Um estudo divulgado pela consultoria PwC em abril mostra que a conectividade global e o acesso ao mercado financeiro de qualquer lugar do mundo ameaçam o papel dos intermediários. Nesse contexto, vão sobreviver apenas as instituições que conseguirem se aproximar dos clientes, oferecendo produtos cada vez mais personalizados.

As ameaças a bancos e corretoras advêm, principalmente, do crescimento de duas modalidades de financiamento: as plataformas de crowdfunding e as comunidades de empréstimos on-line, conhecidas como P2P, ou “peer-to-peer”. Ambos os modelos conectam investidores a pessoas ou empresas que necessitam de capital, dispensando o intermédio de instituições financeiras tradicionais. Os bancos globais, devido à habilidade de ganhar escala e administrar os custos das operações, devem lidar melhor com esse cenário. Por outro lado, bancos pequenos, cooperativas de crédito e corretoras estariam em risco, alerta o relatório da PwC.

Somente no ano passado, empresas e indivíduos do mundo todo captaram US$ 16,2 bilhões por meio de financiamento coletivo. Os números, divulgados em março pela consultoria Massolution, representam um aumento de 167% em relação a 2013, quando o montante atingiu US$ 6,1 bilhões. Este ano, estima-se que a cifra alcançará US$ 34,4 bilhões. A pesquisa identificou 1.250 plataformas espalhadas pelo mundo. E revela que, embora as campanhas de crowdfunding de recompensa e equity crowdfunding sejam as mais conhecidas, é o lending crowdfunding, empréstimo de um grupo de pessoas para indivíduos ou empresas, que domina a indústria. Em 2014, a modalidade movimentou mais de US$ 11 bilhões, contra US$ 5 bilhões dos outros tipos de financiamento coletivo. Esse cenário, segundo o CEO da Massolution, Carl Esposti, pode ser explicado, em parte, pela popularidade que o lending crowdfunding ganhou no outro lado do planeta: “A surpresa da edição mais recente da pesquisa é o espantoso crescimento desse tipo de financiamento na Ásia, principalmente na China”, afirma.

Por aqui, o equity crowdfunding ainda é incipiente, mas tem potencial para ganhar escala. A plataforma virtual Broota tem 320 empresas cadastradas, 11 delas em fase de captação. Desde o início das operações, em outubro de 2014, o sistema de negociações arrecadou mais de R$ 2 milhões com a participação de 240 investidores. A captação é voltada para micro e pequenas empresas, e o valor mínimo de aporte por investidor é R$ 1 mil. Diretor-presidente do Broota, Frederico Rizzo conta que desenvolveu um modelo de negócios adaptado ao mercado nacional. “Como essas empresas costumam ser sociedades limitadas, o desafio foi entender o que poderiam oferecer em troca do investimento, já que não possuem ações.” A saída foi aprovar na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um título de dívida conversível que torna o investidor credor da empresa. “Isso garante que ele esteja protegido contra passivos fiscais e trabalhistas, que no Brasil são os mais preocupantes. O investidor pode perder todo o dinheiro, mas não tem nenhuma responsabilidade com empresa”, ressalta.

Quem também pretende se estabelecer neste mercado é a Eusocio. A empresa já recebeu mais de 40 propostas de startups interessadas em se capitalizar por meio de sua plataforma, ainda em fase de teste. De acordo com o CEO, João Falcão, os investidores que financiarem companhias pela Eusocio receberão um contrato de opção de compra de cotas, com vencimento de três anos. Após esse período, podem ser tornar sócios da empresa ou desistir do negócio.

No Brasil, não há uma regulamentação específica para essa modalidade de financiamento. O Broota e outras startups integrantes da Associação Brasileira das Empresas Administradoras de Plataformas de Equity Crowdfunding (Abpec) vêm trabalhando em conjunto com a CVM no desenvolvimento de uma normatização. Segundo o órgão regulador, o assunto deve ser levado à audiência pública no segundo semestre deste ano. Até agora, as ofertas públicas de equity crowdfunding ocorrem com base numa brecha na Instrução 400, que dispõe sobre as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários. Em seu artigo 5o, a norma dispensa micro e pequenas empresas de registro, permitindo que arrecadem até R$ 2,4 milhões em um ano.

Nos Estados Unidos, o equity crowdfunding é regulamentado desde setembro de 2013. E alcançou tamanha popularidade que a Securities and Exchange Commission (SEC), regulador do mercado local, colocou em vigor no mês passado uma norma para permitir a participação de investidores não qualificados e ampliar o volume de emissão das empresas para até US$ 50 milhões por ano. Antes das mudanças, o teto para captação era dez vezes menor. Além disso, podiam participar desse mercado apenas investidores qualificados — pessoas com US$ 200 mil em renda anual ou patrimônio de US$ 1 milhão. “As novas regras estabelecem um caminho eficaz e viável para levantar capital”, disse a presidente da SEC, Mary Jo White, no lançamento das alterações.

A indústria de empréstimos diretos cresce de modo significativo, especialmente em países desenvolvidos e com mercados financeiros fortes. Nos Estados Unidos, o peer-to-peer gerou
US$ 6,6 bilhões em 2014

Dinheiro a juros
Há quem diga que essa nova onda de financiamento pode resolver ineficiências do modelo bancário. O uso de algoritmos pelas plataformas pode gerar o encontro perfeito entre quem precisa do dinheiro e quem tem recursos para emprestar. Um estudo lançado em maio pela BI Intelligence mostrou que as comunidades de empréstimos P2P logram baixar taxas, aumentar os retornos e expandir as oportunidades para mutuários e credores. A grande novidade é que os fundos de hedge começam a enxergar as vantagens desse modelo e a participar dos pools de crédito on-line. De acordo com a BI, a indústria de empréstimos diretos cresce de modo significativo, especialmente em países desenvolvidos e com mercados financeiros fortes. Nos Estados Unidos, o peer-to-peer gerou US$ 6,6 bilhões no ano passado, aumento de 128% em relação a 2013. Os empréstimos desse tipo são registrados na Securities and Exchange Commission (SEC) e têm garantia do Federal Deposit Insurance (FDIC). As maiores empresas de P2P americanas são a Prosper e Lending Club. Esta abriu capital na Nyse no fim do ano passado, captando US$ 870 milhões.

No Brasil, o conceito foi lançado pela comunidade de empréstimos Fairplace em 2010. Em oito meses de operação, a plataforma alcançou 20 mil clientes e emprestou R$ 1,8 milhão a juros médios de 3,45% ao mês. A iniciativa, no entanto, chamou a atenção do Banco Central, que pediu que o Ministério Público Federal apurasse se empresa estava agindo como instituição financeira sem autorização. Desde então, as operações da Fairplace foram suspensas e até hoje o site não voltou a funcionar, por questões regulatórias. Na Justiça de São Paulo constam três processos de indenização de dano material contra a empresa. Em fevereiro deste ano, ela foi condenada a pagar R$ 3.467,39 ao autor de uma dessas ações.

Há cerca de dois meses, surgiu no mercado brasileiro uma nova comunidade de empréstimos peer to peer, a Biva Serviços Financeiros. Diferentemente das congêneres americanas, ela não realiza operações diretamente entre as partes; todos os investimentos e financiamentos são realizados por meio de instituições bancárias autorizadas pelo Banco Central. A proposta da Biva é permitir que pequenas e microempresas consigam empréstimos de investidores individuais.

Investidor autônomo
Além dos bancos, as corretoras devem sofrer com o fim da intermediação. No equity crowdfunding, elas já não são necessárias; agora, as bolsas de valores também começam a dispensá-las. “A tendência é que os investidores se conectem diretamente às bolsas”, observa Gilberto Biojone, consultor e ex-superintendente geral da BM&FBovespa.

A Nasdaq deu o primeiro passo nesse sentido. Anunciou recentemente o teste da tecnologia de negociação da moeda digital bitcoin no Nasdaq Private Market. Lançado em janeiro de 2015, o segmento destina-se a negociações envolvendo companhias de capital fechado, que normalmente vendem e transferem ações por sistemas informais. A ideia é que elas passem a realizar essas operações adotando o “blockchain”, um sistema de verificação de informações que não precisa ser canalizado por bancos, câmaras de compensação e outros intermediários. Cabe ressaltar que a Nasdaq Private Market é um mercado pequeno, com 75 empresas cadastradas e pouco impacto nos resultados financeiros da Nasdaq. Nos mercados tradicionais da bolsa de tecnologia americana, a compra e venda de ações ainda precisa ser feita com a intermediação de uma corretora.

Outra iniciativa que joga as corretoras para o escanteio é a Nadex, ambiente on-line que segue as normas da Commodity Futures Trading Commission (CFTC), regulador do mercado futuro dos Estados Unidos. Em menos de cinco minutos é possível abrir uma conta gratuita na plataforma, tornar-se membro e negociar diretamente uma ampla gama de ativos, como índices globais de ações, commodities, moedas e até bitcoins. “Acreditamos que, com a tecnologia certa, apoio e transparência, os indivíduos são capazes de participar do mercado sem depender das corretoras ou das grandes instituições”, diz Timothy McDermott, presidente da Nadex. Segundo ele, as negociações na plataforma cresceram 38% no primeiro trimestre de 2015 em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso amplia as oportunidades à disposição do investidor, que passa a ter “mais liquidez e mais mercados para escolher”, ressalta.

Nos cinco primeiros meses de 2015, mais de 1,8 milhão de contratos de opções binárias foram negociados na Nadex, totalizando US$ 180 milhões. Esses contratos oferecem ao investidor uma remuneração fixa se acertar a direção do ativo (alta ou baixa) no momento do vencimento, não importando a variação do preço. Diante do sucesso, a plataforma abriu as portas para investidores de outros países, com a exigência de US$ 100 de depósito inicial para se tornar membro e começar a negociar. O Brasil está incluído na lista. “Estamos felizes em oferecer uma oportunidade interessante para os brasileiros participarem do mercado, sem precisar de grande volume de capital ou do intermédio de uma corretora”, comemora McDermott.

No Brasil, as corretoras têm espaço garantido no mercado de valores mobiliários. A CVM defende que são agentes primordiais no controle e monitoramento das operações, bem como na verificação de produtos adequados ao perfil dos clientes. “Os intermediários são gatekeepers [guardiões do investidor] e têm papel fundamental na manutenção da integridade e da eficiência do mercado de valores mobiliários no Brasil”, informou a comissão por meio de sua assessoria de imprensa.

Apesar do apego da CVM a este ramo de atividade, Caio Weil Villares, presidente da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (Ancord), enfatiza que, atualmente, prover acesso à bolsa não é mais um diferencial relevante para as corretoras. Segundo ele, o principal ativo delas é a base de clientes. “O papel das corretoras independentes é disponibilizar aos investidores todas as alternativas disponíveis de investimento, de acordo com seu perfil.” A XP Investimentos foi uma das primeiras a perceber isso. Em 2009, adotou o conceito de shopping financeiro, passando a ofertar as mais variadas modalidades de aplicação em um único lugar. A corretora tem mais de 90 mil clientes ativos e abre em média 3 mil contas por dia. Em julho de 2014, comprou a Clear Corretora, que chegou ao mercado em 2012 trazendo um conceito inovador: atender clientes sofisticados com o mínimo de contato. O objetivo é que ele faça todas as operações eletronicamente, sem precisar da assistência de um corretor. “A conectividade é realmente algo disruptivo para nossa indústria, que vai transformar por completo a maneira como o brasileiro encaram os investimentos”, prevê Roberto Lee, fundador da Clear e diretor de marketing e tecnologia da informação (TI) da XP. Ele enxerga diferentes perspectivas possíveis para avaliar o movimento. “Isso pode ser bom ou ruim. Será bom aos que se adaptarem e entenderem este novo momento transformador.”

Num mundo em que a tecnologia torna o consumidor cada vez mais independente, é natural que os intermediários tenham de repensar seu papel. Os bancos e as corretoras ainda vão ter seu espaço, mas precisarão aprender a dividi-lo com plataformas que os tornam obsoletos. É o futuro impondo uma nova dinâmica aos negócios.

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180


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