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Rápido nos lances
As expectativas do mercado sobre as mãos de tesoura de Joaquim Levy

rapido-nos-lancesJoaquim Levy foi nomeado oficialmente ministro da Fazenda no dia 5 de janeiro. A escolha do executivo para conduzir a política econômica brasileira teve efeito revigorante no mercado, cada vez mais cabisbaixo com o crescimento medíocre do País e com a gastança do governo. Transformar esse cenário será uma missão hercúlea, e Levy sabe disso. A parte boa é que não é a primeira vez que ele encara esse tipo de desafio. Como secretário do Tesouro Nacional na gestão de Lula, ajudou a União a obter superávit primário de 4,32% do PIB no fim do primeiro mandato, resultado de uma economia de mais de R$ 90 bilhões na época. A façanha lhe rendeu o apelido de “mãos de tesoura”. No setor privado, Levy também exibe trajetória exitosa. Antes do convite de Dilma Rousseff, ocupava o cargo de diretor-superintendente na Bradesco Asset Management (Bram), com mais de R$ 300 bilhões em ativos sob gestão. Mas, como desempenho passado não é garantia de resultado futuro, o mercado acompanha com lupa cada movimento do ministro, na tentativa de trazer para os preços presentes o valor do impacto de suas medidas. De modo geral, o resultado do cálculo é favorável. Especialistas ouvidos pela capital aberto projetam para 2015 um cenário macroeconômico de menos distorções em diversas áreas. E, tomara, com um pouco de crescimento.

Contas públicas
Qualquer análise sobre possíveis impactos do mandato de Levy na economia passa, obrigatoriamente, pela compreensão do ajuste que ele pretende promover nas contas públicas. Na segunda semana de janeiro, o ministro mostrou que está disposto a tomar medidas impopulares em prol desse objetivo. Anunciou o aumento de tributos sobre combustíveis, produtos importados e operações de crédito. As alterações devem engordar os cofres da União em R$ 20,6 bilhões neste ano.

O incremento na arrecadação, aliado ao corte de gastos da máquina pública, compõe a artilharia de Levy para dar fim à gastança do governo. De janeiro a novembro de 2014, o déficit fiscal brasileiro primário (sem contar os gastos com pagamentos de juros) atingiu exorbitantes R$ 18,3 bilhões. Um disparate em relação à meta fixada para o ano de entregar superávit primário de R$ 99 bilhões, ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

Apesar do tamanho do desafio, Levy não pegou leve: comprometeu-se com uma meta de superávit primário, em 2015, de 1,2% do PIB. “As medidas que o ministro está anunciando são bastante pragmáticas; vão fazer o governo ganhar tempo e acalmar os mercados”, prevê o economista e ex-secretário de assuntos econômicos do Ministério do Planejamento, Raul Velloso. Para ele, as mudanças que Levy terá de promover para o Brasil sair do expansionismo fiscal para o “realismo fiscal” no governo de uma mesma presidente fará dele um ministro único na história. Se bem-sucedido, também guardará o mérito de ter impedido o Brasil de perder o grau de investimento, ameaça que vem assombrando o Planalto desde que os cofres públicos passaram a operar no negativo. “Com a política que ele sinalizou executada, não há por que isso ocorrer”, considera.

O mercado tem se mostrado confiante nas metas de Levy: uma semana após as alterações nos impostos anunciadas pelo ministro, o boletim Focus, do Banco Central, projetou superávit primário de 1,1% do PIB em 2015 e de 2% para os dois anos seguintes — em linha com o pretendido pela nova equipe econômica.

Inflação e juros
Na era Levy, a política fiscal finalmente se une à monetária no combate à alta dos preços. “O Banco Central ficou sozinho nessa briga nos últimos anos, tentando conter a inflação com os juros. Não resolveu o problema”, observa Andrew Storfer, diretor de economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Parte da inflação vem da política de gastos do governo: no momento em que essas despesas são contidas a atividade de alguns setores tende a cair, reduzindo a pressão sobre compras e desacelerando a escalada de preços. E será que as mudanças significarão redução nos juros adiante? Provavelmente não no curto prazo. As últimas pesquisas Focus do Banco Central com as instituições financeiras apontam Selic de dois dígitos até 2016, sempre uma péssima notícia para o mercado de capitais. Hoje, a taxa se encontra em 12,25%. “Juros altos elevam o custo de capital e afetam a demanda de recursos por parte das companhias”, diz Carlos Rocca, diretor do Centro de Estudos do Mercado de Capitais do Ibmec (Cemec).

Infraestrutura
A necessidade de equilibrar os gastos da União também terá efeitos no setor de infraestrutura. Mesmo antes da nomeação de Levy, o Ministério da Fazenda já sinalizava a redução de subsídios aos empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal financiador de obras de infraestrutura no País. “O primeiro impacto não é positivo, porque afetará a demanda agregada. Mas, no médio prazo, aumentará a credibilidade do time econômico e abrirá espaço para investimentos pelo setor privado”, avalia Carlos Braga, professor de política econômica do International Institute for Management Development (IMD).

Levy sempre defendeu a atribuição de mais relevância ao mercado de capitais no financiamento do setor. A despeito da conjuntura desfavorável, as debêntures de infraestrutura, emitidas sob o amparo do artigo 2o da Lei 12.431, de 2011, atingiram volume de R$ 4,7 bilhões no ano passado, crescimento de 17,5% em relação a 2013.
A ampliação do prazo de vigência do diploma, de 2015 para 2030, e o grande número de portarias emitidas em 2014 (99, majoritariamente pelo Ministério de Minas e Energia) fazem crescer as expectativas de captação com o título neste ano. O resultado positivo, todavia, está condicionado à recuperação das condições macroeconômicas, uma vez que essa debênture está atrelada a projetos de investimentos e possui características de longo prazo, como ressalta a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).

Investimento estrangeiro
O controle das contas públicas também é um bom começo para o Brasil voltar ao radar dos investidores internacionais. O expansionismo fiscal, combinado com juros baixos e câmbio desvalorizado artificialmente em 2013, interrompeu a sequência de alta no volume de capital externo aplicado no País. Naquele ano, o investimento estrangeiro direto recuou pela primeira vez desde 2008, conforme o último balanço publicado pela agência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad). No mesmo período, um levantamento do Fundo Monetário Internacional apontou o Brasil como a nação emergente com maior déficit externo: saldo negativo de US$ 81 bilhões.

“A erosão do quadro fiscal chegou a tal ponto que acabou prejudicando os investimentos estrangeiros”, explica o economista Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais (Sobeet). Para ele, o melhor dimensionamento das contas públicas pode reverter esse panorama, restaurando tanto a confiança do estrangeiro que investe diretamente no Brasil quanto a daquele que o faz via mercado de ações. Na bolsa de valores, apesar de o Ibovespa ter recuado 2,9% em 2014, o saldo de investimento estrangeiro ficou positivo em R$ 20,3 bilhões, o maior volume desde 2009. “Historicamente, os estrangeiros apostam na bolsa quando ela está deprimida”, observa Rocca, do Cemec. Segundo ele, a comparação entre risco e retorno ainda é atrativa para esses investidores, principalmente quando se leva em conta a menor liquidez mundial.

O problema é que essa mudança ocorre em meio a um cenário internacional adverso: sinais de alta de juros nos Estados Unidos e novos estímulos à economia europeia devem levar a uma reconcentração do fluxo de capital global nas economias centrais, em especial na americana. Por isso, mesmo considerando o equacionamento do déficit fiscal, a estimativa da Unctad é que o Brasil assista a uma retomada do fluxo externo positivo apenas em 2018.

rapido-nos-lances2Câmbio
Num cenário em que a retomada de fluxos de capital para as economias desenvolvidas é tida como certa — com provável alta na cotação do dólar —, um diferencial de Levy e sua política econômica pode estar na redução da volatilidade do câmbio. “Uma boa gestão macroeconômica torna os ativos financeiros, de maneira geral, mais estáveis.
O câmbio vai oscilar com fatores globais, porém de maneira mais suave”, acredita Roberto Padovani, economista-chefe da Votorantim Corretora.

O professor de economia da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda pondera que a equipe econômica em algum momento deve se movimentar para refrear o processo natural de desvalorização do real. “Certamente eles estão preocupados com os impactos negativos da correção cambial sobre a inflação”, afirma. Para as companhias de capital aberto, a alta da moeda americana pode implicar expansão da dívida e encolhimento de lucros. Cálculo da Economatica mostra que, com a valorização de 8,3% do dólar nos últimos três meses de 2014, a dívida em moeda estrangeira de 109 companhias de capital aberto saltou R$ 12 bilhões. O estudo, entretanto, é apenas uma simulação; não leva em conta novas dívidas em dólar que essas empresas possam ter feito, amortizações e proteções contra a desvalorização (hedge). Esse último instrumento deve garantir que as companhias enfrentem bem as oscilações cambiais. “Elas aprenderam a lição com crises anteriores”, acredita o economista-chefe da corretora Souza Barros, Clodoir Vieira.

Bolsa de valores
Uma das primeiras reações positivas do mercado à indicação de Levy ao Ministério da Fazenda veio do Ibovespa. Bastou seu nome ser cogitado para o principal índice da Bolsa de São Paulo registrar, em 21 de novembro, sua maior alta diária em três anos.

Com Levy devidamente empossado, as expectativas para o mercado acionário se dividem. De um lado estão os que creem na recuperação da bolsa, ainda que uma ou outra empresa seja afetada por cortes no orçamento do governo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as companhias do setor de educação, cujas ações desabaram após a publicação da portaria que endureceu as regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). “O mercado acionário tende a andar para a frente se o ajuste fiscal for bem feito e a política monetária conversar com a fiscal”, afirma Alexandre Póvoa, sócio da Canepa Asset Management. Com a diminuição do cenário de incerteza e a recuperação da atratividade do País, ele entende que as perspectivas para IPOs são favoráveis. No ano passado, apenas a fabricante de medicamentos veterinários Ourofino abriu o capital.

Entre os que acreditam que a bolsa não terá um ano positivo está Andrew Storfer, da Anefac. Segundo ele, as ações, em geral, estão precificadas “no seu valor justo” e o ano tende a ser ruim em termos de crescimento econômico, o que não traz boas perspectivas de rentabilidade para os papéis. Os ajustes fiscais, por sua vez, devem impactar o custo de financiamento por meio do BNDES, que cobrará juros mais caros para reduzir os gastos do Tesouro com subsídios. “As empresas devem ter dificuldade de suprir suas necessidades de financiamento e, no mínimo, pagarão mais caro por isso”, opina.

Fusões e aquisições
Com a escalada dos juros, o ambiente tampouco é propício para o financiamento de fusões e aquisições. A expectativa de impacto no consumo com o ajuste fiscal, tende a fragilizar algumas empresas, sobretudo as mais endividadas, abrindo espaço para que essas operações ocorram. “Esse cenário cria oportunidades de consolidação, e muitas vezes o caminho é a venda”, comenta Clóvis Meurer, vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCap). Na avaliação de Pedro Barbosa, sócio da gestora STK Capital, a precificação das empresas está atraente para os fundos de private equity, mas os juros elevados criam um desafio na captação dos recursos. “Se a taxa Selic não cair, o investidor vai continuar preferindo aplicar dinheiro no mercado financeiro a se arriscar num projeto empresarial”, completa Meurer. Em 2014, o Brasil registou 879 operações de fusões e aquisições, de acordo com levantamento da PwC, maior contagem feita pela consultoria em 12 anos.

Tributação
Na gestão de Levy, o mercado também deve ter a chance de corrigir distorções fiscais que favorecem aplicações em ativos isentos de imposto de renda em detrimento de investimentos de longo prazo. Notícias divulgadas pela imprensa sinalizam que a equipe econômica estaria estudando o assunto. A iniciativa vai ao encontro de um dos pleitos que a Anbima apresentará à Fazenda neste primeiro trimestre.

Outro pedido da associação refere-se a uma saída para o come-cotas, tributação semestral sobre rendimentos de fundos de renda fixa e multimercados. “Esse imposto atinge um produto relevante para o País, que carrega boa parte da dívida pública”, observa Denise Pavarina, presidente da Anbima. A executiva diz não ser contrária aos títulos incentivados, embora considere que seu benefício fiscal possa ser estendido aos veículos que compram esses ativos. Assim, os fundos não ficariam em desvantagem.

Em 2014, a indústria de fundos teve seu pior saldo em seis anos: os resgates superaram as aplicações em R$ 1,1 bilhão. A concorrência de produtos isentos, junto a fatores como volatilidade dos mercados e aversão ao risco, colaborou para o ano ruim. De 2015 em diante, Pavarina espera que os efeitos desestabilizadores diminuam, abrindo espaço à retomada do crescimento.

Ilustrações: Marco Mancini/Grau180.com


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