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Fora da tomada
Eletrobras perde metade do valor de mercado no governo Dilma, mergulha em prejuízos após mudança de tarifas e ainda torra reservas para pagar dividendos

fora-da-tomada“Quem opta por ser acionista de uma sociedade de economia mista tem plena noção de que o objetivo do controlador poderá não ser apenas o lucro, mas também a prestação de serviço público e a satisfação do interesse comum da sociedade.” O trecho faz parte do processo administrativo que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) move contra a Eletrobras e que aguarda julgamento. Assinado pelo procurador da Fazenda Nacional Luiz Frederico de Bessa Fleury, em maio passado, faz parte da argumentação do governo federal para justificar sua intromissão na companhia elétrica durante o polêmico episódio da renovação de concessões. A frase evidencia também o maior problema da companhia atualmente: o turvo limite entre os interesses da sociedade, do governo e dos acionistas privados da Eletrobras.

Maior empresa do setor elétrico em toda a América Latina, a Eletrobras afunda. Desde o início do governo da presidente Dilma Rousseff, seu valor de mercado despencou 56%, de R$ 25,9 bilhões para R$ 11,4 bilhões. A ação ordinária caiu 54%, e a PNB, a mais líquida, 32%. O desempenho em nada lembra o registrado nos oito anos do governo Lula. De 2003 até 2010, ON e PNB avançaram 203% e 303%, respectivamente. Nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o desempenho foi mais modesto, porém positivo: alta de 7% para as ordinárias e de 37% para as preferenciais. O mergulho da Eletrobras no pregão já supera o da Petrobras. Do início de 2011 até o dia 18 de setembro, as preferenciais da petrolífera estatal assolada por denúncias de corrupção desvalorizaram 8%. Procurada pela reportagem, a Eletrobras não concedeu entrevista.

A propensão do governo Dilma ao intervencionismo é a principal razão para o estrago. A mão pesada do Estado ficou clara com a edição da Medida Provisória (MP) 579, convertida na Lei 12.783. Editada em janeiro do ano passado, propôs a renovação antecipada das concessões que venceriam entre 2013 e 2017 e determinou o estabelecimento de novos preços. As tarifas, por megawatt-hora, caíram de cerca de R$ 90 para R$ 30. Com isso, a União queria reduzir o custo da energia também para os consumidores finais.

As companhias se viram obrigadas a tomar uma decisão: garantiam suas concessões e arcavam com os custos do desconto imediato nos preços ou mantinham as tarifas até o fim dos contratos, quando deveriam enfrentar uma licitação nova e correr o risco de não vencê-la. Apesar da dúvida, algumas rejeitaram a proposta — entre elas Cesp, Cemig, Copel e Celesc, empresas de estados comandos pela oposição ao governo federal.

Ao optar pelo acatamento das novas regras, a Eletrobras comprou uma briga das boas com o mercado. Os fundos geridos pela norueguesa Skagen, que tinham 10,35% das ações preferenciais antes da MP 579, deixaram a companhia. Não, contudo, sem antes colocar a boca no trombone. Um de seus executivos deu entrevistas à imprensa comparando o Brasil à Venezuela. A asset também foi à CVM reivindicar que a companhia fosse punida por infringir o artigo 115 da Lei das S.As., que trata do abuso do direito de voto e de conflito de interesses.

A Skagen se refere à assembleia que aprovou a continuidade precoce das concessões e a redução de tarifas.
No entendimento da gestora, a decisão deveria ter ficado nas mãos dos minoritários, uma vez que o novo marco regulatório foi desenhado pelo governo federal e ele detém a maior parte das ações votantes da Eletrobras. A União, no entanto, simplesmente ignorou o conflito e votou na assembleia de dezembro de 2012, desobedecendo o artigo 115 da lei. Segundo o dispositivo, o acionista não deve votar nas deliberações de assembleia que possam beneficiá-lo de modo particular ou em que ele tiver interesse conflitante com o da companhia. A CVM decidiu processar administrativamente a Eletrobras pelo voto abusivo — a data do julgamento ainda não foi marcada. Outros minoritários prosseguem no confronto e estudam a hipótese de recorrer ao Judiciário.

Sem bateria
A adesão da Eletrobras à renovação antecipada também criou uma celeuma econômica. Na visão dos investidores, ao acatar as novas regras a companhia aceitou abrir mão de sua lucratividade. A Eletrobras é proprietária do maior sistema de geração e transmissão de energia do País: entre seus ativos estão 50% do capital de Itaipu, subsidiárias como Chesf, Furnas, Eletrosul, Eletronorte e Eletronuclear, diversas distribuidoras e metade das linhas de transmissão do Brasil.

Em 2012 e 2013, já sob o impacto do novo marco regulatório, acumulou prejuízos de R$ 6,6 bilhões e R$ 6,2 bilhões, respectivamente. Em 2011, antes das mudanças, exibia lucro de R$ 3,7 bilhões. Entre os investidores, a expectativa é que, ao fim deste ano, o resultado seja novamente negativo.

Curioso que, a despeito dos prejuízos, a companhia se mantém uma boa pagadora de dividendos. Seu estatuto social é bastante generoso com os acionistas. Além de estabelecer um dividendo mínimo de 25% do lucro líquido, confere aos donos de ações preferenciais A e B proventos prioritários de, respectivamente, 6% e 8% ao ano, calculados sobre o capital de cada classe. A benevolência serviu para atrair acionistas privados, mas hoje os dividendos prioritários consomem a reserva de lucro que a companhia armazenou. Em 2011, o estoque somava R$ 19,2 bilhões; no fim do ano passado, encolheu para R$ 11,7 bilhões.

Se a reserva acabar e puser fim aos proventos, os investidores que ainda veem algum atrativo na companhia podem seguir os passos da Skagen e ir embora. Um dos acionistas ouvidos pela reportagem acredita que os lucros economizados não sobreviverão ao exercício de 2015.

Para piorar, a Eletrobras ainda gasta dinheiro para consumar aquisições. No mês passado, foi fechada a compra de 51% da Celg, distribuidora pertencente ao governo estadual de Goiás, por R$ 59 milhões. O negócio é, na verdade, uma operação de salvamento (e federalização) da empresa, atolada em dívidas. Enquanto a Eletrobras assumia o controle da companhia goiana, um despacho do Ministério da Fazenda permitia à União ser garantidora de um empréstimo de R$ 1,9 bilhão que a Caixa Econômica Federal concederá à antiga controladora CelgPar.

A Eletrobras possui o maior sistema de geração e transmissão de energia do País: entre seus ativos estão 50% do capital de Itaipu, subsidiárias como Chesf e Furnas, além de diversas distribuidoras e metade das linhas de transmissão do Brasil. Na visão dos investidores, ao acatar as novas regras a gigante aceitou abrir mão de sua lucratividade

À luz do interesse público
Ao mudar as regras do setor elétrico, o governo buscava baratear os preços cobrados pelas concessionárias e, por consequência, as tarifas pagas pelos consumidores. Só que deu tudo errado. Em abril, o Executivo autorizou as elétricas a aumentar as contas de luz de 24 milhões de brasileiros. A alta variou entre 11,6% a 29%, sob a justificativa de que, com a estiagem, as usinas térmicas foram mais demandadas — e a energia produzida por elas é cerca de oito vezes mais cara do que a das hidrelétricas.

Outros reajustes de preço são aguardados. No fim de setembro, o Ministério do Planejamento reduziu o repasse de R$ 4 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo que vem ajudando a custear as distribuidoras. Com o cobertor curto, a União fez isso para reforçar as próprias contas e manter o superávit primário. Sem a ajuda, a saída das elétricas será rever o preço cobrado do consumidor novamente.

A trapalhada do governo à frente da Eletrobras realçou um antigo problema das estatais que recorrem à bolsa de valores para captar recursos: a ampla interpretação do artigo 238 da Lei das S.As. O dispositivo iguala os deveres e as responsabilidades do controlador da sociedade de economia mista aos de qualquer outro, mas dá ao governo a possibilidade de “orientar as atividades da companhia de modo a atender o interesse público que justificou
sua criação”.

A expressão “interesse público”, apesar de citada à exaustão em leis e regras, não tem definição. No ramo bancário, criou-se um rito. Ao limitar a presença do capital estrangeiro nas instituições financeiras, a Constituição estabelece exceções, condicionadas ao alinhamento com o interesse público. Para comprovar esse requisito, é preciso uma autorização expressa por meio de decreto presidencial. Foi assim que o Banco do Brasil teve sua fatia máxima de estrangeiros ampliada de 20% para 30% e pôde migrar para o Novo Mercado da BM&FBovespa. No setor elétrico, não há como caracterizar o interesse público.

“A exceção aberta pelo artigo 238 não se sobrepõe ao entendimento de que a companhia de economia mista deve seguir todas as regras aplicáveis pela Lei das S.As. às demais empresas”, afirma Joaquim Simões Barbosa, sócio do escritório Lobo & Ibeas. Na avaliação do advogado, quando o diploma aborda o interesse público, refere-se à prestação de serviços necessários à sociedade que, do ponto de vista empresarial, não seriam a primeira escolha de uma companhia. “Um exemplo é a eletrificação de áreas rurais, que pode ser desenvolvida em conjunto com outros nichos, de maior retorno”, aponta.

Outros circuitos
Para prevenir a confusão entre os interesses econômicos e sociais — ou mesmo os do governo —, a Austrália adota um modelo rígido e simples: empresas estatais não podem ter ações negociadas em bolsa de valores. O objetivo é justamente prevenir conflitos entre os sócios. Já o modelo britânico é mais flexível. Concede a abertura de capital das companhias do Estado, porém delega às agências reguladoras a responsabilidade de definir preços e estipular a margem de lucratividade delas. Assim, embora as estatais não tenham a prerrogativa de aumentar as tarifas para gerar mais lucro aos acionistas quando quiserem, tampouco podem abrir mão da produtividade.

Na visão de Emilio Carazzai, conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o Brasil deveria caminhar no sentido do modelo britânico, com agências reguladoras dotadas de mais autonomia e regras claras. “Hoje, o investidor está sujeito a uma governança opaca nas companhias de capital misto”, considera o executivo, que teve passagens por diversas empresas controladas pelo governo. Mas enquanto as mudanças não acontecem, os fatos deixam a incômoda percepção de que o pior ainda está por vir para a Eletrobras.

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com


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