Sonho desfeito
Descoberto em 2007, pré-sal prometia impulsionar o negócio de diversas companhias abertas do setor de petróleo. Oito anos depois, algumas delas perigam dar o último suspiro

144 Pre sal_RV.inddEm 8 de novembro de 2007, um fato relevante publicado pela Petrobras repercutiu nas bolsas mundiais. Ele anunciava a descoberta da fronteira de exploração de um megacampo de petróleo leve e de gás natural, que posicionaria o Brasil como um dos dez maiores produtores da commodity no mundo, em um momento de alta dos preços. Com isso, a ação da estatal bateu recorde de negociação diária na BM&FBovespa. Foram movimentados mais de R$ 3 bilhões e o papel subiu 10%. Considerada a maior descoberta de petróleo do hemisfério ocidental em 30 anos, a camada pré-sal jogou os holofotes não apenas sobre a Petrobras como também sobre uma série de companhias que se beneficiariam com a expansão da produção no Brasil. A excitação abriu caminho para empresas de petróleo, como OGX e HRT, abrirem o capital. Passados oito anos desde o anúncio, quem se deixou seduzir por esse clima de euforia agora colhe os cacos de seus investimentos.

Fornecedora de equipamentos para o setor de óleo e gás com sede em Caixas do Sul (RS), a Lupatech em nada mais lembra a companhia que entusiasmava os investidores na época da descoberta do pré-sal. Nos 24 meses entre a oferta pública inicial de ações, em 2006, e setembro de 2008, suas ações valorizaram 200%. O motor propulsor da alta era o plano de negócios da Petrobras, que prometia investir US$ 200 bilhões em cinco anos para explorar as reservas do pré-sal. Isso incluía, claro, a compra de equipamentos; em 2008, mais de 75% das encomendas da empresa gaúcha vinham da Petrobras. Porém, os tempos de bonança duraram pouco. A política de conteúdo nacional da Agência Nacional do Petróleo (ANP), para a qual 65% dos equipamentos usados na exploração e produção de óleo devem ser fabricados no País, incentivou a entrada de grandes multinacionais no Brasil, como GE, Schlumberger, FMC, Baker & Hughes, e trouxe concorrência para a Lupatech. Fora isso, a crise econômica mundial e as falhas na gestão de ativos — a Lupatech investiu R$ 400 milhões em aquisições entre 2008 e 2012, pensando na demanda a ser gerada pelo pré-sal — fizeram com que a empresa entrasse numa longa espiral para baixo.

A gota d’água veio em 2012, quando a Lupatech anunciou o cancelamento dos dois contratos com a Petrobras que, juntos, somam R$ 800 milhões. Para cumpri-los, a empresa precisaria investir US$ 100 milhões, mas não possuía esse valor em caixa. O foco nas aquisições reduziu a margem de manobra da empresa num período complicado: seu principal cliente, a Petrobras, estava em pleno processo de renegociação de contratos para reduzir os preços das encomendas e reforçar o caixa. A medida era necessária, devido à política do governo de não reajustar os preços dos combustíveis. Ao promover essa renegociação, a Petrobras atrasou o cronograma de contratação de mais de US$ 50 bilhões em equipamentos, prejudicando a Lupatech. O prejuízo líquido da empresa em 2012 foi de R$ 560,357 milhões, alta de 132% em relação ao ano anterior.

Em 2013, a Lupatech anunciou uma reestruturação financeira. O processo terminou no ano seguinte, com a conversão em capital social de mais de R$ 1,1 bilhão em dívidas. Com isso, sua alavancagem, que superava R$ 1,5 bilhão em 2013, caiu para R$ 400 milhões. Os resultados operacionais, no entanto, continuam ruins. No primeiro trimestre de 2014, o Ebtida da Lupatech foi negativo em R$ 6,9 milhões. No mesmo período deste ano, ficou no vermelho em R$ 4,1 milhões. Esse cenário reflete a crise no setor de óleo e gás, agravada pela conjuntura que combina os efeitos da Operação Lava Jato com os corte de investimentos pela Petrobras — a petroleira reviu seu plano de negócios e estima agora investir US$ 130 bilhões em cinco anos, 40% a menos do previsto.

Não bastasse isso, a queda no preço do petróleo para o patamar de US$ 40, o mais baixo desde 2005, fez a Lupatech entrar em recuperação judicial na Justiça de São Paulo, em 25 de maio. Atualmente, a empresa trabalha em parceria com os credores para elaborar um plano de reestruturação, a ser anunciado no fim de setembro. De acordo com uma fonte que acompanha o assunto, os credores esperam a venda da companhia até o fim do ano. “Há fundos estrangeiros olhando os ativos, porque a empresa ainda é a maior fornecedora nacional de peças para a Petrobras. E o real desvalorizado torna a negociação mais favorável”. Além disso, a Lupatech tem a vantagem de não figurar entre
as prestadoras de serviço da Petrobras investigadas na Operação Lava Jato. Quem adquirir a companhia terá um trabalho árduo pela frente. A carteira de pedidos da fornecedora de equipamentos soma hoje R$ 600 milhões, valor bastante inferior ao de 2010, quando atingiu R$ 1,5 bilhão.

Na corda bamba
Criada pela Petrobras em 2010 para viabilizar a construção de sondas de perfuração para explorar o pré-sal, a Sete Brasil, assim como a Lupatech, vê seu negócio naufragar. Com a promessa de que receberia recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de um fundo do governo voltado a embarcações da Marinha, a empresa, ainda em fase pré-operacional, almejava construir 28 sondas para a Petrobras até 2020 — um contrato de mais de US$ 20 bilhões — e abrir o capital. Em 2012, chegou a planejar um roadshow para atrair investidores institucionais no Brasil e no exterior. O que prometia ser um bom negócio, no entanto, se tornou um “mega fiasco”, nas palavras do
presidente do BTG Pactual, André Esteves, ditas em evento a empresários, no fim de junho, em Ribeirão Preto (SP). O banco, junto com Bradesco, Petros, Previ, Santander, entre outros sócios, compõe o grupo de acionistas da fabricante de sondas.

Fornecedora de equipamentos para o setor de óleo e gás, a Lupatech em nada mais lembra a companhia que entusiasmava os investidores na época da descoberta do pré-sal

Os investidores embarcaram na companhia confiantes do futuro vigoroso aguardava a Petrobras, única cliente da Sete Brasil. A petroleira, que produz hoje 2,1 milhões de barris por dia, previa chegar a 2020 gerando o dobro disso. Metas mais realistas, no entanto, apontam que nessa data a produção será de 2,8 milhões. “O plano da petroleira era ambicioso demais. Muitas empresas foram levadas por esse otimismo”, observa Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Até hoje, a Sete Brasil não registra receita operacional. Todas as suas sondas estão em construção. Em duas delas, 80% das obras já foram concluídas e é possível que entrem em operação em 2016. Em outras três, o percentual de conclusão ronda os 60% e em outras doze, entre 10% a 50%. O cronograma de fabricação está bastante atrasado, dada a expectativa inicial de a primeira sonda começar a operar em maio de 2015. A Sete Brasil também padece de falta de capital. O BNDES, que deveria ser seu principal financiador, até o momento não liberou dinheiro para a companhia. Em janeiro de 2014, o valor de R$ 8,8 bilhões foi aprovado pelo banco, mas o empréstimo não chegou ao caixa — a empresa estaria com dificuldade de apresentar garantias. O modelo de negócios, muito dependente da Petrobras, teria dificultado a concessão dos recursos.

Além disso, a Operação Lava Jato adiciona complicação à já delicada situação da Sete brasil. A Polícia Federal investiga se os contratos de sondas foram superfaturados e usados no esquema de cobrança de propinas. A situação coloca ainda mais em dúvida o eventual crédito do BNDES ao projeto. “A Sete Brasil só não entrou em recuperação judicial porque o governo está empenhado em salvá-la, já que sua simbologia é importante: uma empresa criada para produzir localmente as sondas que ajudariam a exploração do petróleo do pré-sal da Petrobras,” diz um executivo próximo aos acionistas. A empresa tem como slogan “Feita para o Brasil”.

No momento, governo federal e acionistas da Sete Brasil buscam encontrar uma solução para dar continuidade à empresa. O contrato inicial da Petrobras, para entrega de 28 sondas, será reduzido. Ainda não se sabe o tamanho do corte. Provavelmente, esse número ficará entre 14 e 19. Outra mudança diz respeito ao modelo de negócio. A Sete Brasil não mais construirá as sondas; irá apenas operá-las. Os acionistas, que injetaram quase US$ 10 bilhões, buscam mais capital para tocar o negócio. Pretendem conseguir recursos com a entrada de novos sócios. Uma possibilidade é atrair minoritários do Japão e da China. Outra, convidar para a sociedade a operadora de plataformas norueguesa Seadrill, que poderia injetar US$ 1,2 bilhão. A solução deve ser anunciada em setembro.

IPOs para lamentar
A euforia do pré-sal também animou os investidores a apostar em IPOs de petroleiras como OGX (atual OGPar) e HRT (atual Petro-Rio). A primeira, símbolo do império de Eike Batista, lançou ações no segundo semestre de 2008, alardeando um trunfo: a diretoria era composta por egressos da Petrobras com conhecimento da camada de pré-sal. A novata chegou ao mercado, em 13 de junho de 2008, valendo R$ 36 bilhões. De lá para cá, foram muitas as desilusões.

Em 2012, a OGX anunciou a existência de reservatórios na Bacia de Santos, que poderiam gerar 1,8 bilhão de barris. Até hoje, nenhuma gota saiu deles. Os únicos campos produtivos são os de Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão Areia, na Bacia de Campos. Mesmo assim, os três juntos geram cerca de 15 mil barris diários. Diante da baixíssima produção e do preço do petróleo em queda, a OGX entrou em recuperação judicial em 2014.

A PetroRio também não se encontra numa situação confortável. Em 2010, quando chegou à bolsa com o nome de HRT, captou R$ 2,6 bilhões. Sua estratégia baseava-se na exploração de jazidas de petróleo e gás na Bacia do Rio Solimões, na região Norte do Brasil, e de poços na costa da Namíbia, cujo sistema geológico poderia representar um pré-sal africano, com potencial semelhante ao brasileiro. Depois de uma campanha exploratória de quatro anos, a empresa detectou que a maioria dos poços no Brasil e na África era seca. Desde o ano passado, quando registrou prejuízo de R$ 1 bilhão, a petroleira passa por uma reestruturação: vendeu as operações na região Norte para uma empresa russa, adotou medidas para reduzir custos e recebeu injeção de recursos do empresário Nelson Tanure.

Com o novo capital, anunciou recentemente a aquisição de duas áreas de extração na Bacia de Campos (RJ), por US$ 175 milhões. Elas se situam a cerca de 80 quilômetros de distância do Campo de Polvo, outro ativo em produção da empresa. De acordo com Guilherme Marques, diretor financeiro e de relações com investidores, ao assumir a operação na Bacia de Campos, com geração de cerca de 25 mil barris por dia, a PetroRio triplicará sua produção de petróleo. A companhia, no entanto, terá resultados bem aquém daqueles que poderiam ter sido alcançados anos atrás: o preço do petróleo caiu de US$ 147 em agosto de 2008 para US$ 47 na primeira semana de julho. Como é possível constatar, nada no azarento mundo do pré-sal saiu conforme previsto.

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com


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