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Lições da Petrobras
Ideias para um futuro menos conflituoso entre as empresas estatais e o mercado de ações

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premioO escândalo de corrupção na Petrobras deve permanecer nas manchetes por um bom tempo. Já é possível, contudo, refletir sobre suas heranças para o mercado de capitais brasileiro. Um dos principais ensinamentos deixados pelo episódio é provavelmente o de que o poder do Estado como acionista majoritário precisa ser disciplinado e mais bem compreendido pela sociedade como um todo. “No papel, o Brasil tem um dos melhores códigos e uma das mais bem feitas regulações sobre governança dos países emergentes. O problema é que, no caso das estatais, não temos visto isso na prática”, observa Juan Salazar, diretor de governança corporativa e sustentabilidade da gestora de recursos britânica F&C. Nesta reportagem, compilamos sete sugestões do mercado para melhorar o convívio entre as empresas estatais e os investidores. Confira abaixo.

1Definir em estatuto o que é interesse público
De acordo com o artigo 238 da Lei das S.As., nas empresas de economia mista, o Estado “poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou sua criação”. O estatuto delas, porém, não deixa claro qual interesse público o controlador pode perseguir, o que dá margem a eventuais extrapolações desse mandato. “É necessária uma definição para que exista controle por parte da sociedade e dos investidores”, afirma Mariana Pargendler, professora da FGV Direito SP.

2Agências reguladoras fortes
O pesquisador do Insper Sérgio Lazzarini sustenta a criação de regras que protejam as companhias mistas e seus minoritários dos superpoderes do Estado. A questão, considera, não se esgota na adoção de práticas de governança: outras entidades, como as agências reguladoras, devem ser fortalecidas para evitar o abuso desse controlador tão peculiar. Lazzarini acredita que se tivéssemos uma Agência Nacional do Petróleo (ANP) forte, ela poderia ter rechaçado a política do governo de manter o preço da gasolina defasado para conter a inflação. Para as agências reguladoras terem poder, avalia o professor, o Legislativo, responsável por aprovar a nomeação de diretores, tem de submeter os indicados a um escrutínio mais rigoroso, certificando-se, por exemplo, de que possuem perfil técnico.

3Mais autonomia para a CVM
Atribuir poderes à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para que tenha uma voz mais forte com relação às controladas pelo Estado é outra sugestão de Lazzarini. Quando os processos envolvem controladas pelo governo federal, a autarquia precisa encaminhar o caso para a Procuradoria Federal Especializada, ligada à Advocacia-Geral da União (AGU), que faz a análise jurídica. O problema é que a instituição foi criada justamente para defender a União. Diante disso, o ideal seria que a estrutura legal fosse apartada, ou seja, que a CVM não precisasse de pareceres da AGU nos casos que incluem estatais. A providência minimizaria o claro conflito de interesses existente quando o Estado acumula as funções de regulador e controlador das empresas que supervisiona.

4Regime jurídico para as estatais
Mariana Pargendler escreve uma proposta de regulamentação para as estatais que deverá ser aberta a opiniões do mercado e encaminhada ao Legislativo, em tentativa de convertê-la em projeto de lei. “A existência de regras iguais para empresas públicas e privadas não tem constrangido as estatais a aplacar os abusos e ainda vem prejudicando o ambiente das companhias privadas.” Segundo ela, é necessário reconhecer que o Estado, pelo poder que detém de mudar e criar leis, é um acionista especial.

Embora seja previsto desde 1998, o regime próprio das estatais nunca foi normatizado. Para Mariana, a regulamentação deveria tratar de aspectos como admissão de funcionários e abertura de licitações. Hoje, as companhias de capital misto operam numa zona cinzenta, na qual parte das contratações se dá via concurso público e outra parte é livre. A regra poderia conter restrições ao número de posições ocupadas por pessoas com vínculo a partido ou ao governo. Além disso, a professora sugere estabelecer critérios de independência para os conselheiros (inclusive a independência política, hoje não contemplada em regulamentação) e especificar quais objetivos públicos a empresa estatal está autorizada a perseguir.

Seria preciso, ainda, definir quais empresas têm controle estatal. Hoje, a presença do Estado em companhias tidas como privadas está mascarada, por meio da participação dos fundos de pensão de estatais e da BNDESPar no capital — eles não são tidos como parte do governo.

5Cerco às doações políticas
Outro problema comum em companhias de capital misto, devido ao laço estreito com o governo, é a corrupção. Diante disso, Lazzarini, do Insper, defende que sejam proibidas de fazer doações políticas não só as estatais como, também, as empresas que realizam transações com elas. Atualmente, as concessionárias de serviços públicos estão impedidas de fazer doações, mas suas fornecedoras não. Isso favorece esquemas de triangulação como o da Petrobras, em que as propinas para políticos eram pagas pelas construtoras contratadas pela petroleira. O pesquisador sugere ainda que se amplie a visibilidade sobre os contratos firmados entre estatais e outras companhias: eles poderiam estar disponíveis para a consulta de pesquisadores e da sociedade, o que os colocaria sob vigilância do público.

6Compliance de verdade
O combate à corrupção nas estatais — e não só nelas — também pode ser incentivado pela adoção de um programa de compliance robusto. “Companhias com atuação global e ativos negociados nos Estados Unidos não podem ter um compliance à brasileira”, observa Adelmo Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados. Segundo ele, a facilidade com que se move uma ação contra um administrador na Justiça americana e o rigor da lei daquele país requerem um compliance de verdade.

Os controles da Petrobras se mostraram ineficazes; não detectaram várias obras superfaturadas, cujos orçamentos estouraram seguidas vezes. A auditoria externa atestou balanços com ativos potencialmente superavaliados, e a alta administração declarou tomar decisões sem o devido conhecimento. A atual presidente da República, Dilma Rousseff, então presidente do conselho de administração da petroleira, alegou ter decidido sobre a compra da refinaria de Pasadena com base em relatórios “falhos”.

A ouvidoria da empresa só funcionava em horário comercial e não garantia anonimato. Denúncias como a da geóloga Venina Velosa da Fonseca, sobre irregularidades nos negócios da petroleira, foram encaminhadas a superiores, a exemplo da então diretora de gás e energia, Maria das Graças Foster. “O ideal é encorajar os funcionários a contribuir por meio de canais que assegurem confidencialidade e anonimato e proíbam retaliações”, opina Wagner Giovanini, sócio da consultoria Compliance Total. De acordo com ele, a maioria das denúncias (60%) costuma ocorrer fora do horário do expediente, razão pela qual ele sugere que o canal destinado a recebê-las funcione durante toda a semana, 24 horas por dia. Após o recebimento do relato, ele pode ser encaminhado a um comitê de ética interno (que o presidente da companhia não terá poderes para destituir) ou para apuração externa.

7Fornecedores e motivações certos
Wagner Giovanini acredita que a Petrobras daria um grande impulso às práticas de compliance se trabalhasse apenas com fornecedores que primam por boas práticas — atestadas por certificados de qualidade de auditorias externas, como o ISO 9000 e ISO 14000. No ano passado, esses documentos passaram a contar pontos positivos no processo de contratação de prestadores de serviços da petroleira. Graças à exigência, o número de atestados aumentou exponencialmente no Brasil. Giovanini acredita que a prática teria reduzido as chances de o esquema de triangulação revelado na operação Lava-jato ocorrer por anos a fio.

De nada adianta, contudo, a criação de dispositivos para aprimorar os controles das companhias de capital misto se quem as administra não estiver disposto a seguir as regras ou, pior, tiver interesse em burlá-las. “Nenhuma regra vai ser aplicada se não houver uma governança firme na companhia que exija seu cumprimento”, ressalta Alessandra Guardia, diretora de finanças corporativas da consultoria Hirashima & Associados. Profissionais éticos, em suma, serão sempre o mais seguro e simples ponto de partida.


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